Projeto de formação em dança e através da dança, o Núcleo Luz surpreende pela entrega de seus processos e qualidade de seus resultados
O Projeto Núcleo Luz forma gente. Gente da arte, gente que dança. E gente que dança muito bem. Eu conhecia o trabalho do Luz pelos espetáculos, e pela proximidade que tive, ao longo do tempo, com alguns professores que passaram por lá. De tudo, sempre ficava um testemunho de trabalho feito a sério, pra formar em mais níveis do que a maioria das formações em dança considera.
Mês passado, na 6ª Mostra Experimental, na Oficina Cultural Oswald de Andrade e em transmissão pelo Youtube, assistindo aos intérpretes, me veio aquela sensação gostosa, tão rara e tão buscada, de estar olhando em (quase) primeira mão, a próxima geração da dança de São Paulo. O calor daquele gosto veio desembocar aqui.
O Núcleo Luz é ligado ao programa Fábricas de Cultura. O Fábricas foi concebido em 2001, mas as unidades só foram inauguradas a partir de 2011. Quatro anos antes, em 2007, através de parcerias, começou a ação do Projeto Espetáculo, na primeira edição apelidado de Projeto Pedrinho, de onde veio o Pilotinho Luz, que duraria 6 meses pra trabalhar de forma piloto as estreias do espetáculo Pedrinho, na região da Luz, e que acabou sendo reformulado, em março de 2008 chegando no que hoje reconhecemos como o Núcleo Luz.
Atualmente, a formação do Luz se dá em três vertentes. A Oficina oferece cursos de dois meses para introdução às práticas e ao conhecimento da dança. Já os Ciclos I e II propõem um módulo de experimentação, e um módulo de formação, que trabalham aulas de corpo e aulas teóricas, espetáculo e laboratório de criação. O Ciclo I dá conta de 55 aprendizes, que ficam até 3 anos em formação, enquanto Ciclo II traz mais 33 aprendizes, pra 2 anos de estudos. Com aulas todas as manhãs e avançando no começo das tardes, e também aos sábados, o Luz é uma oportunidade única pra muitos jovens experimentarem, descobrirem e se aproximarem da dança.
A variedade das aulas e dos cursos privilegia um corpo íntegro, que move, dança, pensa, discute, projeta, e se coloca — na cena, na dança, na sociedade, tudo o tempo todo. Em parte, é essa a diferença que se sente ao chegar perto do Luz. Não é uma questão só de formação técnica, nem de assistência — é uma questão de propósito. Os intérpretes do Luz transpiram vontade, desejo pela dança, e seus resultados estéticos são intensos — essa última Mostra Experimental é prova disso.
No Luz fala-se um tanto de afeto, e de afetar. As estruturas buscam formas de chegar perto, de escutar e compreender, de encontrar pontos comuns, e de pensar a dança de uma forma tão ampla, que não dá pra não ficar encantado. Isso porque reafirma o trabalho de gerações da dança, que buscam uma forma de fazer mais pessoal, mais reflexiva, mais íntegra, mais completa. E que aqui chega tão bem realizada, numa qualidade que não pede balizas: não é aquilo que deu pra fazer apesar da pandemia. A Mostra não tinha nem gosto de pandemia. É um produto desse tempo, claro. Tem seus temas, tem seus reflexos, como absolutamente tudo na vida. Mas não precisa de nenhuma concessão. Está entre as melhores coisas de dança que eu vi esse ano, e é um mérito inseparável de toda essa gente, aprendizes e equipe, do Luz, bem liderados pela diretora artístico-pedagógica Chris Belluomini.
É gente não tão distante de mim. O Luz é até aqui do ladinho de casa. E a vontade pela dança e a dedicação que ele transborda, em todas as frentes de atuação, só insistem num desejo de fazer parte, de estar mais perto, de conversar ainda mais, conhecer, entender, e acompanhar pra onde mais ele segue. Mais Luz faz bem.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
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