Uma reclamação: (falta de) comunicação

Dificuldade crônica na dança, a comunicação está num momento especialmente ruim.  O que tem dado errado?

Dia desses eu estava reclamando num post de divulgação da programação mensal sobre a falta de comunicação da dança. Temos um problema histórico, mal resolvido, e que voltou com tudo nesse momento pós-pandêmico. Defendo que isso é algo tem a ver sim com o momento, porque logo antes da pandemia a coisa estava consideravelmente melhor, e caminhando pra frente. Mas desandamos.

Eu vejo a comunicação em um problema em dois níveis. O primeiro é uma questão de qualidade daquilo que chega. Na pandemia, desapareceram os programas de espetáculo. Desde então, parece que desapareceu também um esforço pra se fazer entender pelo outro, pra chegar ao outro. Regredimos uma década — pra releases que às vezes são mais herméticos do que as próprias obras, e completamente esotéricos pra quem não esteja intimamente envolvido com o campo.

Dentro desse problema, um complementar: variedade e qualidade de imagens. Se em 2019 eu reclamava da falta de opções entre fotos padrão retrato ou paisagem, esse é um luxo que não me cabe em 2023: parte considerável daquilo que chega com fotos vem com uma única imagem de opção.

Ai fica difícil. Com toda a dedicação pessoal, todo o desejo de levar mais gente pra ver dança, mostrar que a dança pode ser uma opção pras pessoas, como convidar alguém pra ver uma coisa que desde antes de ir, ela não tem ideia do que seja, e de se pode interessar? Ninguém tá com um poder enorme de levar uma legião de pessoas pra assistir o que quer que seja. Mas, no micro, sempre algo pode ser feito. Porém, falta material. E nunca a frase “me ajuda a te ajudar” me passou tanto pela cabeça.

O segundo nível do problema é ainda mais básico: a inexistência da informação. Quando simplesmente NÃO chega divulgação. Passa o post de divulgação, passa a temporada, e às vezes me perguntam porque não estavam no post, porque não estavam no site, porque eu não fui assistir… E normalmente a resposta é: porque até hoje vocês não me mandaram o material…

Os espaços têm mandado menos divulgação. As companhias têm mandado menos divulgação. Os artistas têm mandado menos divulgação. Eu já falei de alguns dos motivos, já defendi o lado justíssimo dos artistas e dos projetos cada vez com menos verba e cada vez com mais acúmulo de funções. Hoje eu me permito só a reclamação do lado de cá.

São poucos os espaços que divulgam dança. Perdemos os guias dos jornais (e praticamente todo o espaço dos jornais, salvo raras exceções). E não existem iniciativas que sejam de fato sustentáveis pra aglutinar a divulgação de dança. Todos os projetos que fazem esse trabalho fazem porque acreditam que ele é importante, e quase sempre sem nenhuma verba pra isso.

Criamos, há um tempo, um formulário pra divulgação de ações de dança. O que chega por ele é acessível pelos editores de alguns sites e plataformas que divulgam dança. Quando entrei pra pegar o que havia de programação em São Paulo pra maio, tínhamos recebido duas submissões. Fui conferir de novo, agora que passamos o meio do mês, e só mais duas.

Eu não sei dizer o quanto de impacto real conseguimos causar. Que diferença esse nosso tipo de divulgação pode fazer pra uma apresentação de dança. Mas acredito na importância dessa divulgação, porque sempre usei. É pra esse tipo de material que eu olho quando eu quero saber o que tem de dança acontecendo. Não é pro Instagram individual de cada companhia. 

Se essas nossas iniciativas ainda são fechadas numa bolha de gente de dança, elas pelo menos ainda podem abrir espaço entre públicos de ações diversas, e levar público de uma pra ver outra também. Qual é o público de dança que queremos? Pra mim, a resposta nunca foi um seguidor fiel que vê tudo que um artista faz, mas só vê isso de dança. Mas se existe um desejo de atrair mais pessoas, outras pessoas, pra mais dança, pra outros espaços, então é preciso encontrar jeitos de falar com mais gente, e sobre mais dança.

Como fazer esse esforço? Ainda é preciso encontrar ideias novas, certamente. Mas talvez ainda haja espaço pra aprimorar ideias antigas. Reclamar não basta, então na coluna da semana que vem eu falo ponto a ponto de como a comunicação da dança tem funcionado e como ela poderia funcionar, a partir da minha experiência, do meu trabalho, e daquilo que eu considero uma boa comunicação. Volta aqui domingo que vem!

 

* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança

*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.

Henrique Rochelle

Henrique Rochelle

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Crítico de dança, Doutor em Artes da Cena (Unicamp), Especialista em Mídia, Informação e Cultura (USP), fez pós-doutoramento na Escola de Comunicações e Artes (USP), onde foi Professor Colaborador do Departamento de Artes Cênicas. Editor do site Outra Dança, é parecerista do PRONAC, redator da Enciclopédia Itaú Cultural, Coordenador do método upgrade.BR de formação em dança, e faz parte da Comissão de Dança da APCA desde 2016.