Se deslocar em São Paulo não é fácil. Que estratégias fazem a dança chegar em mais territórios e mais públicos?
Numa cidade do tamanho de São Paulo, a distância de alguém até um teatro pode ser determinante na decisão de se essa pessoa vai assistir dança ou não. Mesmo se removermos outros obstáculos como o preço do ingresso, gasto e acesso a transporte público, possibilidade de horário, a localização ainda é um fator intenso. Por esse motivo, a tendência de temporadas de circulação passando por múltiplos teatros tem me interessado tanto.
Desde antes da pandemia já dava pra ver indícios desse interesse, com algumas poucas companhias anunciando temporadas que faziam um final de semana em um teatro, em um canto da cidade, e no seguinte em outro teatro, em outro canto. Mas nesse último ano, a coisa é frequente ao ponto de eu normalmente já esperar esse anúncio de temporadas casadas. Se ainda temos uma questão de tamanho de temporada e quantidade de apresentações, é certo que passando por mais espaços já garantimos alguma melhoria nesse sentido.
Os campeões dessa articulação têm sido os teatros distritais da cidade. Já me parece comum saber que um grupo dança agora no João Caetano, outra semana no Paulo Eiró, outra no Arthur Azevedo; enquanto um outro grupo se apresenta essa semana no Cacilda Becker, e na seguinte no Alfredo Mesquita.
A importância desse tipo de temporada de circulação é imensa. Pra quem já está disposto a assistir, e até topa o deslocamento, vem a vantagem da agenda: eu posso escolher que dia e que espaço é mais conveniente com o resto dos meus planos. Mas pra quem ainda está descobrindo a dança como público, a vantagem é a da proximidade: as chances de você atravessar a cidade pra ir ver se alguma coisa talvez possa te interessar são bem menores que as chances de você ir até o teatro mais perto da sua casa pra experimentar isso.
As temporadas pelos distritais não resolveriam todos os problemas da circulação, nem as dinâmicas desse alcance: esses teatros não chegam a todos os cantos e todas as distâncias dessa São Paulo tão grande — mas já começam a aliviar tensões e ampliar possibilidades. É fundamental pra dança chegar em seu público. E deveria ser obrigação da dança alimentada por dinheiro público garantir a sua efetiva disponibilidade a um público amplo.
Se essa iniciativa aparece cada vez mais forte em grupos independentes, talvez seja porque esses grupos conhecem esses territórios, se importam com eles e com suas gentes, e fazem questão de estar por ali. Mas é uma iniciativa que deveria fazer parte da agenda de todas as companhias, de todos os tamanhos — e, incontornavelmente, das companhias públicas.
Se uma companhia do Estado de São Paulo carrega uma obrigação de circular intensamente pelo território do estado, uma companhia municipal também carrega a obrigação de circular intensamente pelo território da cidade. Dançar em um só teatro, em uma só região, com uma só faixa de preço não é um bom uso do investimento de uma cidade inteira.
* Henrique Rochelle é crítico de dança, membro da APCA, doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, e editor do site Outra Dança.
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