Quem foi Umberto da Silva?

Crédito das Fotos: Umberto em O homem que botava ovo: formas inusitadas

Por Elaine Calux e Marcus Moreno

O Centro de Dança Umberto da Silva é um espaço integrado ao Centro Cultural Olido, mantido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo. O espaço, que existe há cerca de 15 anos na cidade, visa promover e difundir a linguagem da dança em suas diversas vertentes, e conta em sua estrutura com a Sala Paissandú – uma sala de espetáculos com capacidade de 136 lugares – e  três salas de ensaio que também recebem apresentações experimentais, workshops, encontros e residências artísticas.

O nome Umberto da Silva, dado ao espaço em 2008, não veio à toa. Trata-se de uma homenagem ao bailarino, coreógrafo e professor que, paralelamente a sua premiada atuação como intérprete e criador, fez parte da elaboração de um pensamento de dança dentro das políticas públicas, tendo atuado na Secretaria de Cultura como bailarino da companhia oficial Balé da Cidade de São Paulo, nas décadas de 70 e 80, assistente artístico da Escola Municipal de Bailado (atual Escola de Dança de São Paulo), entre os anos 80 e 90, e na própria Olido, quando em uma breve passagem, antes de falecer, conduziu a programação de dança e o Programa de Fomento à Dança, que estava em suas primeiras edições. Carioca de nascimento, além de ter participado ativamente da transformação pela qual passou o Balé da Cidade de São Paulo, em 1974, foi bailarino do Balé do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, do Balé do Teatro Guairá (Curitiba) e professor do curso de Comunicação das Artes do Corpo da PUC-SP.

Umberto da Silva nos deixou precocemente, aos 56 anos, no dia 27 de março de 2008, mas não por acaso tornou-se referência na cena da dança paulista; por onde passou, sempre deixou a marca do não conformismo, do ser que não se confina no território já conhecido e reconhecível, para aventurar-se por caminhos ainda não explorados, num imanente questionamento. Na vida e na obra, assumiu incansavelmente o risco da investigação, sempre com foco no resgate da capacidade de restauração de uma percepção sensorial elementar e integral. Como o personagem quase auto-biográfico de seu último solo “Cara-Pálida”, Umberto da Silva buscou a utopia como forma regeneradora da linguagem artística e da existência. E como ele próprio traduziu: “Cara-Pálida roteiriza poemas”. Umberto da Silva roteirizou vários.

Sua presença foi, sem dúvida, um marco de fundamental importância para o Centro de Dança, que se consolidou nos anos subsequentes, recebendo uma vasta programação de obras da Capital, com a expansão de produções ligadas ao Fomento à Dança, e também artistas de fora da cidade e do país, por meio de seguidas edições de importantes eventos como o Festival Contemporâneo de Dança, Festival Internacional de Contato Improvisação, Dança à Deriva – Festival Latino-americano de Dança, Festival Cultura Inglesa, Mostra do Fomento à Dança, entre outros. Aos poucos, a efervescência de público transformou o espaço em uma referência, incluindo suas programações no calendário permanente da cidade.

Com o advento do Centro de Referência da Dança (CRDSP), em 2014, mais uma conquista para a dança era acolhida pela cidade. Espaços com naturezas e vocações distintas se completavam para dar início a um possível pensamento de política pública que, de maneira plural, pudesse abarcar diferentes manifestações de dança e, quem sabe, geograficamente dialogar inclusive com outros equipamentos públicos como a Praça das Artes e o Theatro Municipal.

Tristan e Isolda, com Umberto da Silva e Ana Mondini

Com a passagem dos anos e a mudança de gestões, novos pensamentos foram colocados em pauta. A atual gestão da SMC, que recentemente propôs a permanência do CRDSP como um espaço público direto, ou seja, não mais em gestão compartilhada com uma entidade parceria, como até então estava sendo praticado, aponta novas ideias para o funcionamento do Centro de Dança Umberto da Silva.

Por tratar-se de um espaço tão caro à dança, com uma trajetória histórica tão necessária, alguns artistas se mobilizaram e, em contato feito com a SMC, agendou-se uma reunião com a programadora multilinguagem Ingrid Soares. O encontro acontecerá dia 03 de setembro, às 19h na Galeria Olido, para diálogo sobre o Centro de Dança Umberto da Silva e os caminhos que se pretende trilhar daqui para frente.

Depoimento de Vanessa Lopes
Encontrar o Umberto foi um dos atravessamentos mais intensos que já vivi.  Mais que amigo, mais que mestre, mais que chefe, ele foi o responsável por me capturar afetivamente em direção a um propósito maior. Lembro que meus olhos brilhavam ao ouvir sua fala entusiasmada sobre o desejo de colocar a dança de São Paulo em uma posição de protagonismo. Este era seu projeto de vida e assim o fez. De tanta admiração, fui incapaz de recusar seu convite de trabalho.  Como dizer não para aquela careca sorridente? Durante um curto e meteórico período de tempo, tive o privilégio de ser sua fiel escudeira. Isso foi em 2008, eu era bem jovem e  tinha recém-chegado de uma  temporada de estudos em Londres. Naquela época, nossas metas eram impulsionar atividades no Centro de Dança da Galeria Olido (que estava em processo de separação do CCSP), preparar o lançamento do 5º Edital do Programa de Fomento à Dança e organizar a programação da Virada Cultural. Nossa pequena equipe trabalhava a todo vapor, acionada pela vontade que só o sangue novo oferece. A morte repentina e precoce de Umberto foi um corte avassalador para todos, principalmente por se tratar de uma grande perda para a dança de SP. Foi em sua memória e com o compromisso de dar continuidade ao trabalho que vinha sendo desenvolvido, que fundamos o Centro de Dança Umberto da Silva, um equipamento cultural público dedicado exclusivamente à dança contemporânea, que em pouco tempo se tornaria referência na capital.  

Hoje recebi com pesar a notícia que o Centro de Dança Umberto da Silva corre o risco de ser fechado, justo pela gestão que prega por coisas “boas, bonitas e fortes”. Por isso escrevo estas palavras, para que o brilhantismo de Umberto da Silva, grande artista que foi, não seja esquecido.

 

“Umberto da Silva – Amo a Vida e Namoro a Morte” – Ficha técnica do vídeo: Direção: Inês Bogéa e Tatiana Lohmann | Realização: Secretaria Municipal de Cultura, Virada Cultural Municipal, 2008.

Elaine Calux

Elaine Calux

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Editora e jornalista. Coordenou o Programa do Fomento à Dança por cinco anos e foi coordenadora de comunicação do Centro de Referência da Dança da Cidade de São Paulo.