Crédito das Fotos: Grupo de menestréis dos EUA 'Orpheus McAdoo's Alabama Cake-Walkers'. Arquivo Hampton Institute Archives, Hampton University
Esta e outras escritas serão (talvez) algo sobre jazz que você nunca ouviu, que ninguém nunca te contou e que se você dança/estuda jazz e sente o mínimo de curiosidade sobre isso poderão te ajudar em alguns questionamentos acerca de: por que o jazz que dançamos no Brasil se tornou tão diferente do jazz em sua essência? Por que existem tão poucos escritos sobre jazz no Brasil? Por que as pessoas não nos dizem que o jazz é uma dança negra?
Espero que esta e outras escritas sobre jazz possam te dar algo motivador, e que encorajem sua curiosidade. Elas são informações bem preciosas, que obtive na minha jornada em/com jazz, e que precisei me deslocar do país para poder ouvir falar e estudar com mais continuidade. Com sorte, elas te ajudem a não precisar passar pelo mesmo e a gente possa gerar esta e outras questões no Brasil.
Jazz dance: danças vernaculares
“O jazz é uma expressão física e auditiva da complexidade e exuberância da cultura e história americanas”, como afirmam Michèle Moss[1] – que tive o prazer de conhecer na DJD – e Jill Flanders Crosby[2]. Jazz, dança e música, surgiram principalmente da música e dança folclórica e vernacular afro-americana, dando inspiração e criatividade para o desenvolvimento em comum. Essas danças iniciais incorporaram improvisação e refletiram o poder da comunidade de apoiar as vozes criativas na singularidade em uma expressão não literal de narrativa e conexão com a experiência humana. Seus movimentos foram caracterizados pela liberação ponderada da gravidade, a coluna/espinha dinâmica, ritmos propulsivos e a abordagem dialógica com o acompanhamento musical.
Desde 1850 até o séc. XX, as oportunidades para artistas afro americanes foram surgindo e grupos como Whitman Sisters (1900-1943) tornaram incubadoras de talentos na dança. O cakewalk tocado com o ragtime em 1890, foi uma das danças anteriores que serviu para impulsionar novos passos inventivos. Em julho de 1898 Clorindy (a origem do cakewalk) estreou na Broadway apresentando o cakewalk na música ragtime.
A dança vernacular foi se tornando cada vez mais sincopada caminhando em direção às formas do Lindy Hop e do Charleston, que seriam chamadas de Jazz, posteriormente.
Referência: Blacks and Vaudeville: PBS documentary. Documentário disponível aqui
CONSCIÊNCIA AFRICANA NO CONTEXTO AMERICANO: RING SHOUT
Para falar sobre a mistura cultural que se tornou fundamental para o jazz e o blues precisamos nos perguntar sobre a atualização da consciência africana nas condições em que as pessoas negras vieram (talvez essa discussão se aplique ao samba, bossa etc.). O primeiro ponto é a mente africana no sincretismo. Duas formas de arte das mais poderosas em África foram tão dissolvidas na realidade do seu povo que até algumas línguas carecem dessas palavras, “música” e “dança”, em seu vocabulário, como afirma Jackie Malone.
O segundo ponto é o poder da arte. A dança foi a mais difícil de todas de apagar da memória da pessoa escravizada, já que “mente é corpo” e na unidade sincrética se fez memória-corpo ajudando nas recordações dançantes. Esse foi o mecanismo que deu origem ao Ring shout, um ritual praticado por pessoas africanas que se moviam em círculo enquanto arrastavam os pés e batiam palmas. Ele acontecia aos domingos, ou na semana, nas casas de louvor ou em outra cabana utilizada para reuniões religiosas.
Alguns pesquisadores e espiritualistas marcam o ring shout como um fenômeno da mistura entre pessoas africanas e pessoas brancas, uma conversão de religiões africanas num contexto cristão.
O fato de os elementos básicos do jazz dance já se apresentarem no ring shout, esperando os sons do jazz music, é incrível. Não me admira que gerações de artistas de jazz venham oriundos das igrejas. Frederick Douglass e James Baldwin tratam muito bem a natureza da música negra com raízes e ressonâncias no shout: unidade de alegria, tristeza e memória dos antepassados. As raízes do jazz estão no sagrado!
Fontes:
Foto tema: Grupo de menestréis dos EUA ‘Orpheus McAdoo’s Alabama Cake-Walkers’, que veio para a África do Sul como Virginia Jubilee Singers em 1890 – ano desconhecido, fotografia. desconhecido, arquivado no Hampton Institute Archives, Hampton University. Martin, David-Constant: Coon Carnival. Ano Novo na Cidade do Cabo. Passado para presente. Cidade do Cabo 1999, p. 85.
Foto 1. Ring Shout. Extraída do texto “Dance as libertation” no site African American Cultural Narratives.
Texto: matérias de Thomas de Franz, Jackie Malone, Lynne Fauley Emery e Lydia Parish.
[1] Michèle é co-fundadora da Decidedly Jazz Danceworks e continua a criar trabalhos para a empresa, mais recentemente Modern Vaudevillians em 2017. Ao longo dos anos, ela atuou como coreógrafa, diretora da escola e diretora artística associada da DJD. Michèle é atualmente membro do corpo docente do programa de dança da University of Calgary. Suas áreas de pesquisa mais significativas são as raízes do jazz na África Ocidental e as tradições da Diáspora da África Ocidental. (Fonte: site oficial da DJD)
[2] Jill Flanders Crosby é professora e coordenadora do programa de dança no Departamento de Teatro e Dança da Universidade de Anchorage do Alasca. Possui um Mestrado e Doutorado pela Teachers College Columbia University, atuou ativamente e coreografou em Anchorage e na UAA por mais de 30 anos. Ela coreografou e se apresentou com a Moving Company North, a Alaska Contemporary Dance Company e o Alaska Dance Theatre. Deu aulas de jazz em Havana, Cuba com DanzAbierta e também lecionou na Universidade de Gana, na África Ocidental. (Fonte: site oficial da UAA, Alasca)