O que aprendi com Klauss Vianna?

Crédito das Fotos: Klauss Vianna e Zélia Monteiro. Gil Grossi

Comecei a conviver com Klauss Vianna (1928-1992) em 1984, frequentando suas aulas no estúdio de Renée Gummiel (1913-2006). E até 1992, ano em que morreu, continuei muito próxima a ele como artista e amiga. Foram oito anos de muitas aulas, assistência em cursos e quatro processos de criação.

Dessa experiência trago comigo, entre inúmeros ensinamentos, um modo de refletir a dança, a coreografia e o corpo, muito peculiar. Talvez a palavra “peculiar” não dê conta da complexidade que o pensamento dele alcançou. Seu modo de pensar a dança, a coreografia e o corpo, era revolucionário. Revolucionário porque propunha um modo de operar o corpo em movimento a partir de sua materialidade, o que rompia com algumas concepções de corpo e de coreografia de sua época.

Em suas aulas de “dança livre”, como ele gostava de nominar, transparecia muito de seu modo de investigação, e um das coisas que mais me chama a atenção até hoje, é o modo como ele iniciava a aula.

Klauss começava a aula com uma roda de conversa, onde estimulava que as pessoas se apresentassem e falassem das expectativas que as trouxeram até ali. Em seguida pedia que procurássemos um lugar na sala para nos acomodarmos, e então, sua primeira proposta era que nos perguntássemos: “como estou me sentindo agora?”

Foto Gil Grossi

Nas primeiras vezes em que vivenciei essa proposta me senti confusa: “o que é pra fazer? O que ele quer que façamos?” Essa busca por “como estou me sentindo agora”, antes de iniciar qualquer movimento ou dança, me parecia muito subjetiva. Cada uma daquelas pessoas – e eram muitas que participavam das aulas – iria se mover e dançar a partir daquilo que estava sentindo no momento? Seria uma bagunça!

Minha experiência como bailarina até então, formada nos padrões da dança clássica europeia, fundava-se em procurar realizar o melhor possível o que o coreógrafo ou professor me pedissem, repetindo os gestos com precisão. Klauss, no entanto, pedia que sentíssemos; que entrássemos em contato com o nosso ambiente corpo-espaço. Não pedia para realizarmos nenhum movimento ou gesto, mas incitava-nos a aprimorar nossa capacidade de se observar e observar o mundo. E isso, numa aula de dança, era algo muito novo para mim.

Essa experiência inicial tão simples colocava as sensações e percepções num lugar de destaque no trabalho corporal. Não era o professor, mas nossas sensações e percepções que traziam as informações do que acontecia no corpo e no seu entorno. O próprio corpo informava. Ele dizia o que estava acontecendo.

Foto Gil Grossi

Essa nova referência de aprendizado técnico, em que a atenção está voltada para os processos que acontecem no corpo e não para a imitação de gestos, foi de fundamental importância para meu entendimento da proposta e pensamento de Klauss.

Na intimidade do corpo eu encontrava o que era de dentro e o que era de fora. E aos poucos fui entendendo que do mar de acontecimentos que o corpo vivencia a cada momento, qualidades emergem. E podendo nominá-las ou não, temos uma âncora de relação com o mundo. Âncora perceptível que nos move. E a dança já começou. Livre e a partir de nós; do corpo que sente.

Zélia Monteiro

Zélia Monteiro

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Bailarina, professora e coreógrafa. Na base de sua pesquisa criativa e pedagógica está o pensamento de Klauss Vianna, com quem trabalhou por oito anos e a escola clássica italiana, que estudou com Maria Melô (aluna de Cecchetti no Scalla de Milão), de quem foi assistente por mais de dez anos. Em 1993 recebeu a Bolsa Vitae de Artes para pesquisa coreográfica realizada em Paris, onde residiu por quatro anos.  Foi premiada pela APCA em 1987, 1992, 1998, 2010 e em 2016. Em 2014 ganhou o Prêmio Denilto Gomes da Cooperativa Paulista de Dança, na categoria Melhor Solo de Improvisação e foi uma das cinco finalistas do Prêmio Governador do Estado de São Paulo.  Dirige o Núcleo de Improvisação desde 2003. É professora no Curso de Comunicação das Artes do Corpo – PUC/SP. Criou em 2011 o Centro de Estudos do Balé, a fim de aprimorar o trabalho sobre sua metodologia de ensino desta técnica.