Longa-metragem de dança Pacarrete põe o pé na barra do Brasil para piruetar o mundo

Crédito das Fotos: Marcélia Cartaxo em Pacarrete

O diretor Allan Deberton fala sobre os desafios para a preparação da dança clássica de Marcélia Cartaxo – protagonista da trama -, e seu encanto pela dança no cinema.

Olá, como vai?

Sou Vanessa pesquiso danças para as telas, em especial, as assistidas na palma da mão. Espero que consigamos conversar muito por meio deste precioso espaço aqui no Portal MUD =).

A videodança firmou seus pés quando decidi expandir os ouvidos e o olhar para os clichês nacionais sob a ótica da dança e da câmera: desde o futebol, o rufar dos gritos das ruas, o baile, o carnaval, as festas de santo, o barzinho, a telenovela das nove, as chanchadas, memes, stickers do WhatsApp, TikTok e por aí vai. Uma coisa é certa: somos um povo que dança.

E também dançamos o cinema. Desde Dercy Gonçalves, Helena Ignez, Zezé Motta, Hélio Oiticica, Carmen Miranda e muito mais. Ah, sobre a última, vale esta rápida curiosidade: “Alô Alô Carnaval” (1935), dirigido por Adhemar Gonzaga, foi o primeiro longa brasileiro sem que Carmen fizesse somente “números soltos”.

Na obra, a artista participou como atriz integrada à trama, trazendo diálogos, dança e o canto para a sua personagem, com destaque especial à interpretação de “Querido Adão”, marchinha de Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago, cena, que segundo o biógrafo Ruy Castro. “Um prodígio de expressão (…), dizendo a letra com os olhos e enchendo a tela”. Vale espiar, tem link no rodapé.

É claro que esta lista de personalidades que dançam o cinema brasileiro poderia ir longe, são inúmeras as cenas marcantes para telona em seus mais diversos gêneros. Como aqui é um espaço aberto para falarmos sobre nossos afetos, opto nesta “estreia”, visitar o longa-metragem “Pacarrete” (2020), criado e dirigido por Allan Deberton que nos conta um pouco sobre a relação da dança na obra.

Inspirada em uma personagem real conhecida de Allan, Pacarrete é uma professora de dança aposentada que vive com a irmã Chiquinha (Zezita Matos) na cidade de Russas, no Ceará. Rigorosa e ranzinza, ela vive limpando a calçada e brigando com quem passa por ela. Seu grande sonho é estrelar um solo de ballet clássico, a “Morte do Cisne”, e se apresentar ao público na grande festa da cidade, que está prestes a acontecer.  Sob este desejo, manda confeccionar um figurino sob medida e, ao mesmo tempo em que tenta convencer a prefeitura de fazer seu espetáculo solo, porém, a falta de interesse de todo mundo em relação a dança clássica se torna um grande oponente à personagem.

Na foto Willemara Barros, Marcélia Cartaxo e Fauller. Crédito de Luiz Alves

De maneira muito cuidadosa, Deberton interpola essas memórias vívidas ficcionadas de sua infância com a Pacarrete assinada pela protagonista Marcélia Cartaxo. Desde que conquistou o Grande Prêmio no 47º Festival de Cinema de Gramado [incluindo também Melhor Filme, Melhor Filme Juri Popular, Melhor Diretor, Melhor Roteiro, Melhor Atriz  (Cartaxo), Melhor Atriz Coadjuvante (Soia Lira), Melhor Ator Coadjuvante (João Miguel), Melhor Desenho Sonoro], o filme tem colecionado prêmios mundo afora desde sua estreia.

Tive o privilégio de assistir ao filme na sessão do Cine Drive In Paradiso, em 2020, no estopim de muita tristeza devido a pandemia mundial. Naquele momento, Pacarrete representou um aprendizado sobre a passagem do tempo, perseverança e claro, a delícia de contemplar um belo filme de dança numa tela de projeção de cinema gratuito.  

Desde então acendeu a minha curiosidade sobre como ocorreu a preparação de dança de Cartaxo. Trago aqui uma breve entrevista com Allan que nos conta como ocorreu toda a construção da bailarina clássica vivida pela atriz que nunca havia dançado este gênero antes. No entanto, ela contou com a preparação dos coreógrafos Willemara Barros e Fauller e, segundo o diretor, não faltou suor, piruetas e muitos exercícios de pontas e na barra para que compusesse toda a suavidade e determinação que Pacarrete pedia.

Segundo Allan, para a Marcélia, dançar foi um grande desafio, todavia por ser uma atriz incrível, tudo que se propunha a fazer, executava com muita entrega.  “Sabendo disso, eu não queria enganar o espectador, não precisávamos disso, eu sei que ela também queria se superar. A gente queria apresentar isso ao público, vê-la dançar e de fato, ficar nas pontas dos pés.”, relata. E reforça que ao longo de três meses, Marcélia foi preparada por Willemara e Fauller, um dos melhores bailarinos de Fortaleza, que felizmente aceitaram o desafio de treiná-la.  Em princípio, a dança de encerramento do filme seria um solo do ballet “Giselle” – (1841), de Adolphe Adam, Jules Perrot e Jean Coralli -, porém, Willemara mostrou no celular um espetáculo que dançou numa Bienal de Dança do Ceará, “A Morte do Cisne” – (1905), de Mikhail Fokine e Camille Saint-Saens para Ana Pavlova. “Eu achei lindo e perguntei aos coreógrafos se seria possível Marcélia dançar. Eles assentiram e disseram que foi um ballet criado às grandes divas, às grandes bailarinas, sem dúvidas, eu sabia que seria a dança final de Pacarrete, audaciosa como ela é.”, descreve o diretor.

Atriz Marcélia Cartaxo. Crédito Luiz Alves

Assista ao making of sobre a preparação coreográfica de Pacarrete aqui

Ao longo da conversa com Allan, perguntei também como havia sido o desafio para filmar a dança, afinal a captação de uma coreografia para câmera não é uma tarefa simples. Para isso, ele contou com o apoio do diretor de fotografia Beto Martins. “Rapidamente ele (Beto) entendeu as referências e como seria importante para mim tornar o filme um musical ao máximo possível. Bebemos da fonte de alguns musicais antigos, estudando enquadramentos e os organizamos na montagem, conduzida com muito cuidado por Joana Collier”. Ainda sobre o tema Allan complementa que em algumas cenas é possível perceber a coreógrafa Willemara Barros, o que não se tratava de uma questão de competência da Marcélia, ao contrário, no momento de filmar Marcélia estava pronta para dançar e fazia lindamente. “A questão é que uma mesma dança, repetidamente, nas pontas dos pés, por vezes e vezes até encontrar o plano perfeito, era humanamente impossível de insistir, dessa forma Willemara ocupou o lugar de Marcélia enquanto ela descansava e vice-versa.”, ressalta Allan sobre o forte trabalho de equipe.

Por fim, eu pedi que citasse alguns filmes de dança que o inspiram ao longo de sua trajetória como cineasta. “Ah, eu adoro tanto! Seguem alguns: ‘Cantando na Chuva’, ‘My Fair Lady’, ‘Cinderela em Paris’, ‘West Side Story (1961)’, ‘Flashdance’, ‘Dirty Dancing’, ‘Evita’, ‘Pequena Miss Sunshine’. Queria ter feito parte de todos.”, finaliza Allan.

O longa-metragem Pacarrete é como um tempo que nunca se perde. É como o solo de Fokine para Pavlova, algo em permanência. Cartaxo em sua Pacarrete é como ela própria diz: Je suis unique! (sou única, em francês) dando espaço aos nossos sonhos dançantes pelos palcos da vida. Dancem com ela.


Acesso ao trailer oficial aqui

Siga: @pacarreteofilme @debertonfilmes

Pacarrete pode ser assistido nessas plataformas:

Telecine Play, VOD – YouTube, Now, Looke, Google Play, Apple TV, VivoPlay.

É possível adquirir o Blu-ray ou DVD na @reserva_imovision

 

Ficha Técnica:

Direção: Allan Deberton

Elenco: Marcélia Cartaxo, Zezita Matos, Soia Lira, João Miguel, Samya de Lavor, Débora Ingrid, Edneia Tutti Quinto, Rodger Rogério

Roteiro: Allan Deberton, André Araújo, Samuel Brasileiro e Natália Maia

Produção: César Teixeira

Direção de Fotografia: Beto Martins

Direção de Produção: Clara Bastos

Produtores Executivos: Allan Deberton e Ariadne Mazzetti

Preparação de elenco: Christian Duurvoort

Coreografia: Wilemara Barros e Fauller

Som Direto: Márcio Câmara

Desenho de Som: Rodrigo Ferrante e Cauê Custódio

Trilha Sonora Original: Fred Silveira

Direção de Arte: Rodrigo Frota

Figurinos: Chris Garrido

Maquiagem e Cabelo: Tayce Vale

 

Cenas, personalidades, trailers e filmes mencionados:

Dercy Gonçalves – A Grande Vedete (1958), Watson Macedo.

https://www.youtube.com/watch?v=P9f_OtzycgQ

Helena Ignez – Copacabana Mon Amour (1970), Rogério Sganzerla.

https://www.youtube.com/watch?v=yRfHVESlo-s

Zezé Motta – Tudo Bem (1978), Arnaldo Jabor.

https://www.youtube.com/watch?v=sK5jWB_tWSw

Hélio Oiticica – Helio Oiticica, (2014), José Oiticica Filho.

https://www.youtube.com/watch?v=wPN7trFjE5M

Carmen Miranda – Alo Alô Carnaval, (1935), Adhemar Gonzaga.

(de 52´32´´ – 54´00´´).

https://www.youtube.com/watch?v=Y46w3NBiKGo

 

A saber:

Marcélia Cartaxo é a primeira atriz brasileira a conquistar o Urso de Prata em Berlim, em 1985, por protagonizar a personagem Macabeia no longa. “A Hora da Estrela”, dirigido por Silvana Amaral, baseado na obra de Clarice Lispector.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Marc%C3%A9lia_Cartaxo

https://www.youtube.com/watch?v=lOxK50kbVNQ

 

Referências:

CASTRO, Ruy. Carmen: Uma Biografia. 1. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

PEREIRA, Roberto. Giselle – O Voo Traduzido. 1. ed. Rio de Janeiro: Univercidade, 2003.

BOUCIER, Paul. A História da Dança no Ocidente. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001

Vanessa Hassegawa

Vanessa Hassegawa

Ver Perfil

Pesquisadora de dança da Amazônia paraense, curadora, artista do campo da videodança|dança para a tela e relações públicas atuante. É mestranda em Artes da Cena pela Unicamp, onde investiga as relações das danças contemporâneas produzidas para as mídias “da palma da mão”. Estudou na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, é uma das idealizadoras da mostra Prosa, Vídeo e Dança, do qual acumula o acervo de cerca de 100 videodanças curadas, provenientes de vários países do mundo. É sócia do Coletivo Las Caboclas de videodança tendo produções que circularam por festivais de dança e vídeo nas cinco regiões do Brasil e países como Nova Zelândia, Espanha, Portugal, México, Argentina, Chile e Bolívia. Entre as realizações mais recentes está a codireção da videodança Qual pele me Reveste?, feita sob o aval da Oficinas Oswald de Andrade, de São Paulo, a obra produzida sem interação física com 13 artistas-mulheres de diversas regiões do país e também foi cocuradora da mostra Danças para Todas as Telas, para a Bienal Sesc de Dança 2021.