
Crédito: Nunca Mais Abismo. Fotomontagem de Aldren Lincoln.
Saúdo a todos os meus antepassados Não genéticos.
Saúdo a Ancestralidade DEF em mim, conectadas por Teias e Raízes de Isadora Ifanger, que nos conectam a todas/es/os outras/es/os DEFs.
Este texto curatorial é escrito por mimcorpoEstela, mulher cis, ht, pele clara e sardenta de rosto que é HEMiparética há quase 28 anos.
Portanto, tudo que escrevi, o fiz atravessada nas entranhas, fáscias, ossos, músculos, gordura, pele e pelos muito bem vividos.
A espiral do tempo nos carrega feito ventania, corta retrógrados jeitos de pensaragircriar.
É tempo de zuleikar a Dança!
A ironia e crítica estão presentes, senhorAS!
“Eis que chegam AS/ES/OS inigualáveis, incomparáveis, inimitáveis, inidizíveis, inconcebíveis, incorrigivéis, incríveis, inimagináveis, inacreditáveis, inusuais, Ímpares, inomináveis, insólitos, indomáveis, ineducáveis, intraduzíveis, inquestionáveis, inenarráveis, insubstituíveis, irredimíveis, indomáveis, irremíveis!!!” (NUS & [DES]GRAÇADOS – em uma noite de 03 de junho de 2017).
Inicio essa escrita, citando a abertura da performance NUS & [DES]GRAÇADOS, que criei em 2017 com o bailarino e multiartista Edu O., para a nossa participação no Boteco da Diversidade – Sexualidade da Pessoa com Deficiência no Sesc Pompeia.
A anunciação, é uma provocação ao modo como a Bipedia Compulsória na Dança e na Vida, encara a produção artística DEF.
DEF é um termo/gíria, que foi cunhado pelos bailarinos com deficiência da Cia. Roda Viva (1995) de Natal/RN. A palavra surge não só como uma abreviação de “deficiência”, mas como uma postura subversiva de apropriação e orgulho do próprio corpo.
A primeira vez que escutei “DEF” foi com Carolina Teixeira em dezembro de 2011, quando nos conhecemos em Salvador por conta da segunda edição do Encontro O que é isso? de Dança promovido pelo pelo Grupo de Pesquisa Poética da Diferença, vinculado ao PPGDança – Escola de Dança da UFBA, coordenado por Fafa Daltro com curadoria de Edu O. Embora, a conceituação, enquanto termo tenha se dado na tese de Doutorado de Carolina Teixeira em 2016, eu, particularmente, quando ouvi Carol dizendo DEF, me identifiquei e a compreendi de modo incorporado, e desde então “venho, também, espalhando a palavra”. Eu tinha acabado de voltar da Europa, onde tinha criado e iniciado as práticas investigativas em torno do conceito Corpo Intruso, 2 meses antes deste encontro eu havia escrito o Manifesto Anti-inclusão, como uma das ações finais de Corpo Intruso em Madri, onde cursei o Master em Artes Escénicas y Cultura Visual.
Quando integrei a Delegação Brasileira – Funarte Conexões Internacionais, na décima edição do Kinani (Bienal de Dança em Moçambique) em novembro de 2023, com o intuito de falar sobre o fazer artístico DEF na dança, esquematizei o termo da seguinte maneira:
DEF
- Pessoa com Deficiência, que tem orgulho de ser quem é, e se apropria de si;
- Pessoa com Deficiência, que tem consciência de uma identidade social, e o que isso significa a nível sociopolíticocultural;
- Pessoa com Deficiência, que tem consciência de que cada pessoa é única, e que portanto a deficiência de cada pessoa propõe diferentes experiências
- Pessoa com Deficiência, que tem consciência de sua ANCESTRALIDADE, NÃO genética, a Ancestralidade DEF
- Pessoa com Deficiência, que sabe ser Corpo Intruso
O prefixo “in”, que é usado para se referir à negação e/ou privação, não é novidade quando aplicado em relação ao corpo com deficiência.
Até chegarmos na atual nomenclatura – Pessoa com Deficiência – um longo percurso foi traçado.
Aqui no Brasil,em meados do séc.XX essa população era nomeada como inválido, o que acarretava uma significância de desvalorização humana carregada de simbologia de inutilidade social, fardo familiar, e daí pra trás; entre 1920 e 1960, como incapacitado, que embora, houvesse um sujeito antes do dito adjetivo – “crianças incapacitadas” – ainda assim, determinava um lugar de impossibilidade de atuação nos aspectos: físico, mental, social, profissional. No decorrer dos séculos XX e XXI a busca por uma terminologia, que fizesse jus, continuou na seguinte trajetória: defeituoso, deficiente, excepcional; portador de deficiência; necessidades especiais até chegar à atual.
Tal movimento de discussão e disputa sobre o melhor termo no Brasil, não estava alienado aos movimentos sociais das pessoas com deficiência e fatores históricos, também no mundo, e todas tinham como objetivo comum devolver a humanidade das pessoas com deficiência, que o modelo médico, que por sua vez está atrelado diretamente ao sistema capitalista, tirou.
A terminologia Pessoa com Deficiência, carrega em si uma série de combates ao Capacitismo, visando uma mudança cognitiva social através da linguagem:
Pessoa – Ser Humano, antes de tudo;
“Com” – preposição que indica: modo, companhia e simultaneidade, esta última leio como mais uma maneira de reiterar a afirmação de humanidade, pois, por incrível que pareça, há que se repetir: “Sim, sou pessoa, e sim é possível sê-la e ao mesmo tempo ter uma ou até várias deficiências.”
Deficiência – característica, condição
No dia dia nos deparamos com nossa nomenclatura sendo desrespeitada pela bipedia, que AINDA, nos percebe pelo viés do modelo médico da deficiência e é “eternamente desavisada” nos pedindo o tempo todo, que as letremos, afinal: “ela aprende tanto com a gente.” (contém ironia)
Para a bipedia continuamos inomináveis: Muitos têm dificuldade e tabu de pronunciar a palavra “deficiência”, alguns ousam dizer: “essa palavra é ruim, é feia”; muitos desenterram e misturam as terminologias como “portadores de necessidades especiais”; outros nos proporcionam emoções complexas que vão do riso ao choro na mesma intensidade e ao mesmo tempo, com invenções inimagináveis: “Portadores de Necessidades Físicas”, num certo banheiro de uma certa estrada, e assim seguimos intraduzíveis.
Do mesmo jeito que a cisgeneridade desrespeita os pronomes das pessoas que se apresentam como trans; assim como a branquitude, pela sua régua, julga a palavra “negro”ou “preto”, como “muito pesada”; assim como o patriarcado pensa o feminismo como sendo “coisa de mulher peluda no suvaco e mal amada”.
Faço essas relações, porque a deficiência é transversal, pode e está em qualquer corpo (inclusive no corpohomem cis, branco e rico) e também, porquê são marcadores sociais, assim como a do DEF, que sofrem (no sentido de estarem sujeitos à ação/julgamento do outro) do mesmo estigma – a desumanização.
A maneira como o corpo com deficiência é lido relaciona-se ao complexo campo da Cultura, palavrinha de difícil definição, que carrega consigo diversas interpretações que estão relacionadas aos hábitos, costumes, tradições, que por sua vez estão relacionados à época, geolocalização, religião, política, social, mídia, língua, linguagem, produção artística; mas que sobretudo – e ainda bem!, pode se transformar no decorrer dos tempos, mesmo que lentamente.
E sobre transformação … se hoje estou aqui escrevendo esse texto e sendo curadora desta seção – Artistas DEF da dança, do Portal MUD, é porque lá atrás nos idos dos anos 80 e 90, se deu um movimento sincrônico de pessoas com deficiência sendo inseridas na dança.
O que se tem notícia dessa década é, que com diferentes intuitos e de diferentes lugares tanto conceituais, quanto geográficos, surgiram grupos de Dança compostos por pessoas com e sem deficiência, no Brasil, em sua maioria encabeçados por bípedes.
O “fenômeno” se deu no Norte, Nordeste, Sudeste e Sul do Brasil, nos Estados Unidos e na Europa.
Em 1997, ocorreu em Boston The International Festival of Wheelchair Dance” produzido pelo Dance Umbrella em colaboração com o “Very Special Arts Massachusetts” (fundado em 1974 por Jean Kennedy Smith, irmã do presidente John F. Kennedy, o Programa Very Special Arts International tendo como principal objetivo a difusão e inclusão social de pessoas com deficiência através da arte.)
O Very Special Arts Brasil foi fundado em 1988 através do Programa Arte Sem Barreiras por Albertina Brasil, então diretora executiva da Funarte, e Ritamaria Aguiar. O programa parou em 2004, quando do falecimento de Albertina Brasil.
The International Festival of Wheelchair Dance foi produzido por Jeremy Alliger como Dance Umbrella e reuniu doze companhias, que tinham em comum a inclusão*(problematizo esta palavra, mas a reproduzo, pois ainda é bastante utilizada, embora esteja ultrapassada) de Pessoas com Deficiência, tendo como objetivo a inserção social da PCD*(escrevo anacronicamente PCD, pois neste tempo, não era assim que eles nos referenciavam, o faço para não confundir você, bípede) participaram desse evento histórico as seguintes cias.:
- Axis Dance Company – Idealizada por Thais Mazur, a AXIS foi fundada em 1987 com a participação de artistas com deficiência Judith Smith, Bonnie Lewkowicz e outros. Oakland, Califórnia – EUA.
- Bilderwerfer – Nasce em 1992, da parceria entre o coreógrafo Daniel Aschwanden com o bailarino Christian Polster, que tem síndrome de Down. A partir de 1994, vários bailarinos e actores, alguns com deficiências e outros não, se juntaram a eles. decidissem trabalhar juntos. Hoje a Bilderwerfer é composta por três bailarinos com deficiência e três bípedes. VIENA – ÁUSTRIA
- BILL SHANNON – Bailarino e coreógrafo aclamado no cenário Hip-Hop dos EUA, conhecido como “CrutchMaster”, Artista multimídia: dança; vídeo, design, instalações . NOVA IORQUE – EUA
- CANDOCO DANCE COMPANY – Eu os conheci em 2006, em razão do Crossing Dance Festival, promovido pela Din A13 tanzcompany de Gerda König, na Tanz Haus, em Düsseldorf, Alemanha. Trabalham especificamente com pessoas com e sem deficiência motora. Em 2011, participei de uma audição da Candoco e fui lindamente eliminada na primeira manhã. Foi fundada por Adam Benjamin e Celeste Dandeker. Iniciou em 1991, em um centro de reabilitação (Albright, 1997). Celeste, bailarina da “London Contemporary Dance Theatre” sofreu um acidente em cena em 1973, que lhe trouxe sequelas irreversíveis (Clake, M. & Crisp, C., 1989). Participou no filme “The Fall”, onde teve que rever os seus conceitos sobre a dança e redescobrir o que seria dançar sobre uma cadeira de rodas. Retornou efectivamente à dança depois do seu encontro com Adam Benjamin. LONDRES – INGLATERRA
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- CLEVELAND BALLET DANCING WHEELS – Mary Verdi-Fletcher, mulher ativista com deficiência física é a Presidente, Diretora Artística e Fundadora da Cia. que foi Fundada em 1980, a Cia. integrava pessoas com e sem deficiência. Em 1990, Mary criou a escola multiartística Dancing Wheels School. CLEVELAND – EUA
- DANCEABILITY PROJECT – Conheci o método em 1999 através da Terapeuta Ocupacional (T.O.), Flávia Liberman. Em 2007, dancei com Alito Alessi em Joy Lab Research e cursei Danceability Teacher Training em 2010. Danceability começou em 1987, quando Alito e então a parceira Karen Nelson, ministraram um workshop de contato improvisação para pessoas com deficiência. Alito deu continuidade à pesquisa, o que o permitiu desenvolver um método de improvisação em dança, que se baseia em princípios básicos para o jogo cênico, considerando as características e condições das pessoas. EUGENE – EUA
- DIN A 13 – Eu comecei a dançar com esta cia, em 2005 no projeto internacional Dance Meets Difference, que apresentou Via Sem Regra no Tucão.
- Fundada em 1995, por Gerda König diretora artística e coreógrafa em colaboração com a coreógrafa Gitta Roser. A cia, tem foco artístico e educacional. COLÔNIA – ALEMANHA
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- INFINITY DANCE THEATER – Fundada em 1994 por Kitti Lun e inclui em seu elenco bailarinos com e sem deficiência juntamente com bailarinos com mais de 40 anos de idade.
Kitti Lun dedicou a sua vida à dança e a partir de um acidente que a deixou paraplégica decidiu criar esta companhia. Lun, também diretora artística da companhia, acredita que a formação de professores de dança capazes de compreenderem os aspectos da deficiência possa gerar uma importante contribuição para que o público amplie a sua compreensão do que é um bailarino. Além dos diversos workshops que ministram, possuem um programa educacional vocacionado para professores em que os fundamentos da dança clássico-académica e da dança moderna são utilizados para compor o que chamam de “dança em cadeiras de rodas”. NOVA IORQUE – EUA - LIGHT MOTION – fundada entre 1988 e 1990 por Charlene Curtiss, ginasta artística, sofreu um acidente na prática de barra, aos 17 anos de idade. Formou-se em direito, profissão que exerceu até iniciar sua carreira profissional em dança, no ano de 1989. SEATTLE – EUA
- LIMITES CIA. DE DANÇA – A cia. foi fundada em 1992 em Curitiba pela bailarina, fisioterapeuta, coreógrafa e professora da Faculdade de Artes do Paraná, Andréa Sério, a partir de seu interesse na diversidade corporal como objeto de investigação no contexto da dança contemporânea, quando ainda era estudante da licenciatura em dança. O elenco da cia. é composto por pessoas com e sem deficiência. “O interesse crescente pela relação entre áreas de conhecimento e pela democratização do acesso aos procedimentos desenvolvidos provocou a reorganização da Limites Cia de Dança na empresa social Nó movimento em rede, em 2013. Hoje a Nó atua como um lugar cooperativo entre artistas e outros criativos interessados em produzir inovação social nas mediações entre arte, terapia e educação e em partilhar tecnologias de criatividade e sensibilidade humana.”
- INFINITY DANCE THEATER – Fundada em 1994 por Kitti Lun e inclui em seu elenco bailarinos com e sem deficiência juntamente com bailarinos com mais de 40 anos de idade.
- PARADOX DANCE – Bruce Curtis, Lorry B e Riccardo Morrison são os fundadores da Paradox Dance. Bruce Curtis é um DEF ativista estudioso e praticante do Contacto Improvisação, desde 1990, que também forma a base técnica desta companhia, sendo uma importante referência entre os seguidores de Steve Paxton e, é o responsável pela introdução desta técnica na América Central. BERKELEY – USA
- RODA VIVA CIA. DE DANÇA – “Teve a sua origem ligada ao Programa Multiprofissional de Reabilitação na Lesão Medular, do Departamento de Fisioterapia da UFRN-Universidade Federal do Rio Grande do Norte, quando Henrique Amoedo, o seu fundador, participava do “Curso de Especialização em Consciência Corporal”. Fruto de um estudo acadêmico, com apenas um ano de trabalho, esta companhia extrapolou os seus objetivos iniciais, direcionados aos aspectos educacionais e terapêuticos, conquistando importantes espaços no meio brasileiro da dança. Foi dirigida por Henrique Amoedo, até 1999.” NATAL – BRASIL
O Festival durou duas semanas com intensas atividades: debates, intercâmbios, apresentações, workshops.
Uma das grandes indagações neste encontro, que reverbera até os dias de hoje, foi a de como nomear esse “tipo de dança” que era feita com/para pessoas com deficiência?
Diversas denominações surgiram e foram discutidas: habilidades mistas; dança integrada; disabled dance; integrating dance; dança de cadeira de rodas, dança inclusiva. A preocupação era a de que “esse tipo de dança” fosse nomeada de tal maneira que deixasse claro que se tratava de Pessoas com Deficiência dançando.
Pelo Conversa Aleijada de Edu O., me dou conta desse paradoxo que mora na nossa existência, na dança [e na vida]. Precisamos afirmar nossa presença, mas ao mesmo tempo não podemos cair na armadilha, que o mercado “dança inclusiva” nos coloca, que eu chamo de “puxadinho da inclusão”, aquele lugar precário, feito às pressas, mal ajambrado, pensado depois de tudo pronto, e que na perspectiva bípede “pelo menos você está mostrando o seu trabalho.”
Mesmo assim, continuo a me perguntar, até hoje, o porquê da necessidade de nomear, uma vez que estávamos no recorte da Dança Contemporânea. E o que é Dança Contemporânea, ainda mais hoje, senão a Dança de cada um, com suas próprias metodologias de criação, combinando áreas de conhecimentos diversos … e afirmo, que o corpo DEF é o corpo mais contemporâneo que há, pois cria suas próprias tecnologias e inventa modos e metodologias próprias e a partir de suas próprias vivências, na criação, extrapolando as fronteiras das linguagens artísticas.
[[ Como anunciado – As/Es/Os insólitos!]]
No âmbito sócio político internacional – desde o final da década de 1980 e início dos anos 1990, nos EUA e em alguns países da Europa, havia iniciado a luta por direitos civis da pessoa com deficiência. [[crip camp]] [[them barbara met Alan]]
No Brasil, final de 70 início de 80 [[História do Movimento político das pessoas com deficiência no Brasil]]
Aqui no Brasil, a primeira companhia foi a Limites Cia. de Dança em Curitiba,em 1992, que era a junção da bípede Andrea Sério com a DEF Claudia Fantim, que já não mais participa da atual Nó Movimento.
Roberto de Morais março a outubro em 1996.
Em 1994, foi criada a Cia. de Dança Anjori, fundada pela professora Joseja Araújo e seu assistente Antonio Silva, vinculada à Secretaria de Educação do Estado do RN, que tinha como finalidade promover a inclusão através da Dança. O grupo era composto por pessoas com e sem deficiência, sendo em sua maioria pessoas surdas. Segundo Roberto Morais, ele foi o primeiro def fisico a dançar entrou em 1996 e ficou por 8 meses.
Em 1995, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte, que por razões e setores de pesquisas diferentes, ambas com viés do modelo médico da deficiência, o de capacitar o corpo para inseri-lo socialmente; começaram a pesquisar a Dança para a deficiência. 8 defs e 3 bípedes. saiu em 2004, o Roda viva continuou até 2008 Edson Claro Edeilson Matias.
Em 2005, Roberto Morais, que participara da Roda Viva, funda o Giradança e até hoje é parte da Cia. na direção administrativa e o Anderson Leão.
O grupo Roda Viva Cia. de Dança surgiu da fusão de dois programas de extensão, um no curso de Fisioterapia, coordenado pelo Professor Ricardo Lins, e a outra pelo do Departamento de Artes, coordenado pelos Professores Henrique Amoedo e Edson Claro. “A fusão destes dois projetos de extensão universitária, um hospitalar e o outro artístico, tinham como principal objetivo a inserção social de pessoas com deficiência física.”
Em Salvador, em 1998, teve o Grupo Sobre Rodas criado pela dançarina paraibana Rita Spinelli interessada em pesquisar a relação da Dança com Pessoas com Deficiência no curso de Especialização em Coreografia da Escola de Dança (UFBA). “O grupo era formado por três artistas com deficiência – Edu O., Íris Carvalho e Janaina Inah – e três artistas sem deficiência – Rita Spinelli, Samara Cabral e Moira Morroy. Com a saída desta, Sheila Cabral passa a integrar a companhia, que finaliza suas atividades em 2002.”
Também em Salvador, em 1998, surgiu o Grupo X de Improvisação, vinculado à Escola de Dança da UFBA, no contexto da extensão universitária, criado pelos professores David Iannitelli e Fafá Daltro. Além do interesse na formação em Dança, com múltiplos corpos – crianças, jovens, pessoas adultas, idosas e de diferentes profissões e classes sociais, com ou sem deficiência, – o Grupo X também se dedica a pesquisas artísticas, tendo como mote a improvisação no momento da encenação e a investigação em espaços não convencionais para a cena. Assim, passou a ser reconhecido como um grupo profissional que mantém intensa produção até os dias atuais.
Em São Paulo, em 1997, a atriz e então praticante de contato improvisação, Neca Zarvos se junta à bailarina def Leda Pereira para trazer Alito Alessi para São Paulo. Nesta empreitada, conseguiram realizar apresentações das performances de Alito com, o então parceiro, Emery Blackwell no CCSP e Estúdio Nova Dança, workshops na AACD e no Centro Esportivo da USP. Muitas pessoas do contato improvisação participaram das atividades, dentre eles, destaco Ivonice Satie e Luis Ferron. Em 1999, Ivonice Satie fundou o projeto Mão na Roda com o intuito de promover a inclusão de “PCDs” na dança. Fundamentado por Henrique Amoedo (fundador e ex-diretor do Cia Roda Viva de Natal-RN), o programa passou à coordenação de Luis Ferron. Realizaram suas apresentações em diversos espaços como: praças, ruas, parques, teatros e também palestras promovendo a consciência sobre a atuação do deficiente na sociedade, na prevenção de patologias adquiridas por falta de vacinação, violência e acidentes.
CIA. GIRA DANÇA (RN)
DIVERSUS (GO)
PULSAR CIA. DE DANÇA (RJ)
A partir de 2002, por influência da dissertação de Mestrado, do agora Diretor Artístico da Dançando com a Diferença, Henrique Amoedo, aqui no Brasil, “essa dança” (contém ironia) começou a ser nomeada como Dança Inclusiva. Quando eu comecei a dançar em 2005 com a cia Din A13, achava lindo, depois com o tempo fui descobrindo o quanto de Capacitismo esta nomenclatura carregava e ainda carrega, mesmo as criações se valendo do pensamento da Dança Contemporânea. Na minha percepção e vivência, a Dança Inclusiva, embora tivesse o objetivo de “incluir o PCD na arte, dançando contra o preconceito” (contém ironia), acabou por emburacar nosso fazer artístico, nos limitando ao quadrado do símbolo universal da deficiência. Os chamados profissionais e programadores da Dança, não a consideravam nem produção de conhecimento e muito menos Arte, aliás, era considerado uma Arte/Dança menor. Lembro-me da dificuldade que foi conseguir vender meu primeiro solo nas Instituições, que me respondiam: “é um trabalho específico, quando tivermos essa pauta, entraremos em contato”, ou quando tentava o fomento e recebia a devolutiva da comissão – “aqui não é assistência social.”
Bem, se a Dança Contemporânea é um campo vasto das possibilidades de pesquisas de movimento e de reflexões sobre a própria linguagem, rompeu com paradigmas da Dança Clássica; porquê quando nós a criamos, nossos trabalhos não são lidos, naturalmente, como parte dessa reflexão, se o que temos como princípio é a criação partir de nossas variadas deficiências, que inventam variadas tecnologias, propondo variadas estéticas singulares?
Afirmo, que somos ímpares e inimitáveis em nosso modo de produzir, pois cada pessoa com sua própria deficiência tem sua particularidade criativa e inventiva. O corpo DEF propõe uma explosão de possibilidades do que se pode vir a entender sobre a palavra virtuose na Dança.
Nossa potência criativa é granada espacial, zuleika os parâmetros colonizadores, e aqui não falo só do europeu, mas sim, também, do sei lá quem da Dança, que “determina”o que é ou não dança contemporânea. Como Corpo Intruso, invertemos os sentidos, inventamos modos, criamos estéticas, produzimos éticas e rechaçamos a corponormatividade do corpo que dança.
Somos o corpo mais contemporâneo da chamada Dança Contemporânea, desbancamos a hegemonia da capacidade corporal compulsória da Dança.
Usamos o prefixo “in” a nosso favor, aproveitamos a dubiedade das significâncias e significados das palavras, a fim de bulir no cognitivo da bipedia.*
Como Corpo Intruso, que invade feito água, nem sempre mansa e, mesmo causando atração e temor, infiltramos nas sinapses das certezas bípedes, modificando o pensare, ou pelo menos tentando modificar, afinal Salve-se quem quiser!*
Help me To Help You, bipode! <3
Lembrar dessa Anunciação, me fez dar conta de que já estávamos apontando para a prática da Arte DEF, que é um dos elementos, que compõe a Cultura DEF.
A estética gerada a partir das criações dos artistas DEF, é propositora de Ética. Diria de uma Nova Ética, uma vez que como pessoas corporalmente, me perdoem o pleonasmo, viventes e testemunhas do que é ser uma pessoa com deficiência numa sociedade capacitista, criam sensibilidades que ainda não existem.
Que pra mim, é produtora de ética.
Soube através da minha futura ex-orientanda (Isadora Ifanger), que Anitta Malfatti, fez uma lista de palavras com esse prefixo, assim como Isadora em 2022. Em NUS &[DES]GRAÇADOS o prefixo “in” é usado a nosso favor, causando uma dubiedade das significâncias e significados das palavras, a fim de bulir no cognitivo da bipedia e reafirmando nossos fazeres artísticos, pois se somos inomináveis é porquê estamos mesmo criando algo novo e desconhecido pela bipedia.
*Este texto foi desenvolvido no âmbito do projeto ‘Mover Memórias’, do Portal MUD, fomentado pelo Programa Funarte Retomada 2023 – Dança.