A diversidade das danças

A DIVERSIDADE DAS DANÇAS

A diversidade é uma das maiores riquezas das manifestações humanas! E não seria diferente em relação à dança…

Danças são expressões artísticas de pessoas vinculadas a um lugar, a um modo de viver e sentir. E isso é muito diverso e rico!

Por exemplo, você já parou para pensar sobre o quanto o nosso cotidiano pode influenciar a maneira de dançar?

Falo do cotidiano no sentido dos nossos hábitos, o espaço onde vivemos, nosso trabalho… Tudo isso interfere na maneira como nos movemos, como vemos e ouvimos, e como nos expressamos. E a dança tem a ver com tudo isso, não?

A maneira como vivemos pode interferir no tamanho dos passos, os apoios, o uso das diversas partes do corpo, a intenção para baixo ou para cima etc.  Com a forma e o conteúdo das danças.

Vou dar alguns exemplos:

O LUGAR

Começando pelo chão: onde você costuma caminhar interfere na sua maneira de pisar, nos apoios dos pés, no tamanho de seus passos, na velocidade… Um piso escorregadio (como nos locais onde neva, ou em um palácio, ou até mesmo em um shopping) faz com que a gente ande devagar, com cuidado. Um piso de pedras tem uma textura diferente da areia ou grama, e nos leva a apoiar o pé de maneiras diferentes. E tudo o que influencia nosso andar age também sobre nossa dança. Um elemento – o chão – já produz maneiras diferentes de dançar!

Se apenas o piso já é capaz de dar diferentes estímulos, imagine o espaço em geral! Se você mora em um lugar com grande amplitude visual, como uma praia ou planície, seus gestos tendem a ser mais amplos e descontraídos. Você tem espaço para se mexer! E provavelmente isso vai aparecer na sua dança, no tamanho dos passos, na amplitude dos braços etc. As danças das praias, por exemplo, são assim, feitas de gestos amplos e calmos.

Mas se você vive em um ambiente estreito, uma cidade apertada e populosa, seus gestos tendem a ser menores, com os braços mais próximos ao corpo, passos pequenos. Como se você precisasse desviar das pessoas e das paredes! A dança tende a ter gestos mais concentrados no tronco, com muito uso dos ombros e quadril (para “desviar”).

A altura do teto também cria tensões diferentes no nosso corpo. Se você caminhar em um lugar amplo, onde o “teto” é o céu, sua sensação vai ser muito diferente caso você caminhe em um ambiente fechado.

Agora imagine um mesmo espaço agindo o tempo todo sobre você: isto com certeza influencia a dança produzida por um grupo social, embora não seja o único fator a ser levado em consideração.

A topografia também interfere na maneira como nos movemos: nas áreas montanhosas, as pessoas costumam ter pernas fortes (sobe, desce, sobe, desce…) e sua dança possui uma propulsão que não é vista nas danças do deserto, por exemplo. Então no deserto, em geral, serão utilizados movimentos mais amplos e horizontais; nas montanhas são mais comuns os movimentos mais curtos e verticais.

Nas regiões montanhosas a sensação é de vigor, poder e controle. Nas regiões de vale, a sensação é de acolhimento, de proteção. As danças serão diferentes: a maneira de olhar, de pisar, o tamanho dos passos, etc.

Um outro fator que afeta o dançar é a temperatura, que interfere no tônus muscular e na quantidade de energia que estamos dispostos a gastar. Em muitos lugares frios, as danças tendem a ser vigorosas, de modo que aqueçam; e em locais quentes, as tendem a ser mais sinuosas e ligadas, com menor dispêndio de energia.

O TRABALHO COTIDIANO

Além da força do ambiente, os movimentos ligados ao cotidiano e ao trabalho, como colher, rodar uma manivela, ceifar, semear ou remar, podem aparecer sintetizados na dança.

Movimentos repetitivos geram memória muscular, e podem aparecer na dança de determinada região. Pode ser de forma mais literal, em festivais, comemorações ou atos simbólicos, ou – mais comum – como hábito de movimento.

Alguns gestos, tão comuns no trabalho, ficam marcados no corpo e acabam aparecendo nas danças. Muitas vezes conseguimos reconhecer a atividade cotidiana de um grupo através da sua dança!

Mas cada lugar terá sua própria forma de fazê-los. Cada região terá seu acento, seu estilo, tônus e velocidade. E isso depende do cruzamento de diversos fatores.

 

OUTROS CORPOS

Quando vemos uma pessoa se movimentando, nosso corpo vai entrar em sintonia e responder com uma mudança de tonicidade. Sabe quando vamos a um espetáculo de dança (ou circo, ginástica artística, corrida etc.) e começamos a nos mexer na cadeira? Isso é a Empatia Muscular! Seu corpo querendo “imitar” o corpo da outra pessoa.

A Empatia Muscular pode também acontecer entre seres humanos e animais. Quando alguém convive muito com algum animal pode acabar imitando alguns de seus movimentos. E isso costuma aparecer em diversas danças.

Por exemplo, existem grupos que têm contato constante com o cavalo, que tem um andar mais verticalizado, a nuca ereta: este tipo de andar vai aparecer em algumas danças. E muitos gestos dessas danças podem ser iguais aos dos cavaleiros, como a coluna ereta, saltos e alguns movimentos dos pés iguais aos do cavalo.

Outros animais podem ser muito presentes em algumas regiões, como o camelo; então é comum seu andar cadenciado aparecer em algumas danças praticadas no deserto, por exemplo: a forma de pisar, as ondulações de tronco, os movimentos sinuosos da coluna.

Alguns grupos têm intimidade com determinadas aves, ou ainda esquilos, cabritos… Todos eles podem influenciar ou inspirar movimentos, através da Empatia Muscular.

Imagine o quanto cada região pode ter de influências relacionadas a isso… O que ajuda a produzir danças diversas!

OUTROS ELEMENTOS

Além dos elementos já citados, existe também as características das aldeias, bairros e cidades onde o grupo vive, as trocas culturais, a intenção artística…

Existem danças de caráter introvertido, ou seja, as pessoas dançam umas com as outras: são descontraídas, geralmente com estrutura mais simples, de fácil memorização e repetição. E existem aquelas de caráter extrovertido, onde dançam para outras pessoas: neste caso existe a preocupação em mostrar algo, em interagir com um público.

As danças podem ter motivações diversas, seja de entretenimento, de caráter guerreiro ou simbólico etc.

Existem muitos elementos que podem contribuir para a diversidade das danças, e citei apenas alguns deles, mais ligados ao cotidiano.


TUDO JUNTO E MISTURADO

E para finalizar, uma coisa muito importante: influenciar não é determinar! Muitos elementos podem influenciar, mas cada dança é única e suas manifestações artísticas também.

Na maioria dos lugares aparecem os elementos citados. Mas em cada local, pode acontecer de um elemento ser mais forte e presente do que outro.

A dança é formada por uma trama, com diversos fios! Às vezes as mesmas cores de fios podem gerar tramas diferentes. Os mesmos elementos, “temperados” de maneira diferente em cada lugar, pode gerar inúmeras danças, e isso é uma grande riqueza!

Viva a diversidade das danças!


*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.

Marcia Dib

Marcia Dib

Ver Perfil

Bailarina, coreógrafa e professora de danças árabes. Mestre em Cultura Árabe pela FFLCH/USP. É autora do livro “Música Árabe: expressividade e sutileza”. Possui formação multidisciplinar em Arquitetura, Música, Dança e Teatro. Estudou dança e música ocidentais e orientais, no Brasil, Estados Unidos e Síria, com diversos professores. Estudou e formou-se em Educação pelo movimento com Ivaldo Bertazzo. Sua linha de pesquisa aborda a relação entre a dança e o contexto onde é gerada, relacionando aspectos históricos, ambientais, corporais, culturais e artísticos, com foco nas danças árabes em geral (tanto as danças folclóricas como a dança oriental, também chamada de dança do ventre). Sendo descendente de sírios, procura conhecer, resgatar e divulgar a cultura de seus ancestrais, expressando-os na  contemporaneidade.