Léo Pinheiro @c41estudio/ @cultsppro
Por Flávia Fontes Oliveira
Coisa Nossa, coreografia de Vanessa França, diretora e coreógrafa da Cia de Dança Vanessa França, de Campinas, apresentada dia 29 de novembro, no segundo dia da Mostra de Dança Programa de Qualificação em Artes CULTSP PRO, em São José dos Campos, no Teatro da Casa de Cultura Cine Santana, se lança no delicado terreno de dançar canções brasileiras.
Arrisca um caminho que importantes nomes trilharam, como Henrique Rodovalho em Só tinha que ser com você, Alex Neoral em As canções que você dançou para mim ou Décio Otero, em trabalhos como Fon Fon ou Coisas do Brasil. O compositor e professor José Miguel Wisnik, autor de inúmeros ensaios sobre a canção brasileira, costuma dizer que “os ‘poetas da canção’ conseguem estabelecer uma relação muito íntima entre a palavra e a música”. Nesse sentido, colocar um elemento a mais nessa relação, a dança, é enfrentar memórias do público com essa tradição nacional. Não é simples ou fácil.
Não bastasse o desafio, ao iniciar o Programa, a coreógrafa disse que gostaria de criar uma obra que pudesse “ser vendida”. Ela se impôs a atravessar uma montanha. Ela fez tudo isso com humor. Com orientação da bailarina, coreógrafa e professora Marina Salgado, o resultado foi um trabalho com linguagem própria, domínio da cena e tratamento de tema elaborado.
Coisa Nossa cria, ao revisitar memórias por meio das canções, esquetes de uma crônica do cotidiano, com situações e observações comuns apresentadas em nove faixas de músicas selecionadas: a crítica social, o baile, a transmissão de conhecimento, a venda com megafone, o banho de sol, tudo ali misturado a um só tempo com clareza e sutileza; leve e sucinto.
O espetáculo começa com um solo, ao som de Motivo, de Chico Bernardes, e os movimentos dialogam com a letra que fala de inventar um modo de viver, lidar consigo mesmo, mas sem reproduzir as palavras da canção. Em seguida, aos poucos, a formação do conjunto de seis mulheres e um homem entra na música Admirável Gado, na voz de Maria Gadú, e vemos a criatividade de sua linguagem em situações como a inclusão de um coice no movimento.

Crédito: Léo Pinheiro @c41estudio
Vanessa França entra discretamente na cena, as outras bailarinas ainda no palco, seu solo unindo o que vinha sendo dançado com um controle preciso entre o ataque do movimento e seu recuo, o momento de ir e relaxar. Referência para outras bailarinas, num momento simples, mas de impacto, ela faz alguns gestos e é seguida pelas intérpretes, cada uma com sua personalidade. Instaura-se a beleza da generosidade de deixar o outro também participar, sem deixar de ser esse ponto focal, tão forte para a nova geração.
Há também, mudando-se o clima, a entrada do único bailarino pela plateia, com uma caixa de som, fazendo algumas referências à dança do passinho. Logo em seguida, as bailarinas entram com bancos, cadeiras de praia e luzes. Tudo parece exagerado, flerta com o brega, mas é usado em uma composição divertida, brincando-se com as cadeiras, com o rebolado e uma dinâmica da coreografia elaborada sem afetação. A obra se encerra nos lembrando que é preciso andar com fé.

Crédito: Léo Pinheiro @c41estudio
Em uma de suas falas, durante os dias da Mostra, Vanessa França usou a palavra “transformação” para descrever seu percurso nesta edição do Qualificação em Dança, PQD.
Em sua quarta passagem pelo programa, sua capacidade de absorver o que outros artistas podem acrescentar foi se intensificando e, esta orientação proporcionou uma sofisticação em seu estilo, sem ela perder sua identidade, tornando-a uma coreógrafa com linguagem própria em que suas principais bases são visíveis: a dança contemporânea, as danças urbanas e o jazz. Um trabalho que merece ser visto.

Crédito: Léo Pinheiro @c41estudio

Crédito: Ronny Santos
Flávia Fontes Oliveira. Jornalista e roteirista. É autora e roteirista do projeto Tempo de Dança (Origina Conteúdo, em cartaz no canal Arte1). Também colabora com o jornal Valor com matérias sobre dança. Trabalhou na Gazeta Mercantil, Revista Época (semanal), foi redatora-chefe na Editora Trip e coordenadora das áreas de Comunicação, Educativo e Memória na São Paulo Companhia de Dança. Já fez matérias sobre dança em diversos veículos como as revistas Bravo!, Fapesp, CartaCapital, TAM, Voe Gol, entre outras. É autora de artigos como Texturas da Memória (in: Sala de Ensaio, Imprensa Oficial| SPCD, 2010. Co-organizadora do livro Na dança (Imprensa Oficial, 2005). É mestre em comunicação pela PUC/SP, com dissertação sobre a dança em São Paulo. Como roteirista, em ficção, fez parte da equipe de roteiro da série Chuva Negra, de Rafael Primot. Participou da equipe de roteiro do programa Me deixa dançar (Moonshot Pictures – GNT); da temporada 2 e 3 do programa Menos é Demais (Discovery Home & Health).
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Como parte das estratégias da Mostra de Dança PQA CULTSP PRO (28 a 30 de novembro de 2025/ São José dos Campos/Casa de Cultura Cine Santana), esta resenha foi escrita para ampliar- mediante um profissional olhar crítico sobre as obras nela apresentadas – as ações do PQD, programa de formação profissional, inovação e sustentabilidade, criado pela Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas, gerido pelo Instituto de Desenvolvimento e Gestão – idg. O PQD tem Coordenação de Cássia Navas, Supervisão Artística de Samuel Kavalerski e Monitoria de Bia Fonseca. O CULTSP PRO tem Sérgio de Azevedo como Gerente Geral de Formação e Raquel Verdenacci como Diretora.
Esta publicação é uma parceria entre o CULTSP PRO e o Portal MUD, sendo as visões nelas expressas exclusivas de sua autora.
Programa de Qualificação em Dança 