Crédito das Fotos: Espetáculo Critica Genética, Cia da Danças Claudia de Souza. Foto Noelia Narjera
Claudia Souza, bailarina, coreógrafa, professora e pesquisadora do corpo e de sua saúde respondeu recentemente uma breve entrevista sobre seu olhar sobre a dança moderna no Brasil e seu ensino no Brasil.
Como a dança moderna entrou e se estabeleceu em seu projeto de vida?
Eu nasci em um ambiente artístico, minha mãe foi uma bailarina clássica e em meados dos anos sessenta conheceu a dança moderna, se tornando uma das precursoras do trabalho no Brasil.
Por conta disso a dança moderna foi a base da minha formação artística, apesar de ter tido também uma base sólida em dança clássica. Acredito que este pensamento mais abrangente e transformador da dança moderna afetou a minha carreira e afeta até hoje.
Os paradigmas da dança cênica no Ocidente seguiam um rumo bastante calcado no balé. O que acontece a partir da dança moderna?
O surgimento do que hoje chamamos de dança moderna, na época era um movimento contemporâneo por conta de artistas com desejos de ter outras abordagens para o movimento e para vida, tanto estética quanto conceitual.
Já que o balé não mais os representava ou nem mesmo nunca os representou, partiram para outras viagens, por onde seus processos de criação e práticas tinham como propostas criar algo novo e mais coordenado com a época em que viviam.
Muitos artistas ligados a dança moderna não vinham de formações tradicionais de balé e nem mesmo de nenhuma formação em dança anterior. Agora podemos olhar para traz e identificá-los como modernos, por justamente transgredirem e romperem com o que se entendia por dança na época, mas também por terem posições políticas e sociais a respeito do mundo em suas danças.
Como você vê a presença da dança moderna nas escolas, em particular, e na cultura brasileira, em geral?
Como estive perto desse início de trabalho no Brasil, apesar de ainda criança, vi algumas pessoas começaram a romper com paradigmas estéticos, pedagógicos e consequentemente cênicos e artísticos, entre eles a minha mãe Penha de Souza e também Renée Gumiel, Klauss Vianna entre outros.
Apesar de tardio, pensando que o movimento da dança moderna na Europa e Estados Unidos se iniciou nas décadas de 20 e 30 do século passado, aqui no Brasil esse movimento realmente começou a tomar corpo no final dos anos sessenta.
Pesquisa corporal e acadêmica, além de uma maior interação com outras linguagens artísticas e também com a cultura tradicional, além de posicionamentos políticos, começaram a despontar. Não ficando, a dança, restrita a sala de aula ou a uma elite que tinha acesso a essa linguagem.
Porém enfrentou-se bastante resistência e ainda enfrenta, porque o modelo de dança que as pessoas ainda têm na cabeça, é o balé e toda a estética que ele carrega. O Brasil é um país bastante conservador, como tem se mostrado sobretudo nos tempos atuais, portanto propostas que buscam romper e transformar ainda são vistas com desconfiança e desqualificação.
Quanto às escolas, temos dois vetores: as escolas de formação em dança e as escolas de ensino formal, onde alguma delas tem dança como disciplina ou fazendo parte da educação artística.
Não percebo a dança moderna atuando nas escolas formais, mas sim alguns os princípios de abordagem corporal presentes em aspectos da educação artística, que dialogam com princípios da dança moderna. Porém ainda deixam muito a desejar nos dias de hoje essas iniciativas.
Nas escolas de dança, ainda se tem um pensamento forte que a formação das bailarinas e bailarinos depende muito do balé clássico. Porém, algumas escolas e artistas conseguiram se desprender dessa crença, sobretudo nas universidades.
Acredito que ainda temos muito tempo para entender as possibilidades do corpo para além da forma e do belo e inclusive para além das técnicas, divisões por estilos e até da cena. Não que essas discussões e práticas não estejam sendo feitas, mas ainda muito restrita ao ambiente acadêmico, artistas independentes buscando desenvolver sua própria linguagem e alguns projetos e programas ligados ao sistema público, que tem esse perfil de artistas educadores no seu corpo de pensadores e professores.
Para você, faz sentido separar a dança moderna da dança contemporânea? O que as aproxima e as diferencia?
Isso sempre foi uma discussão entre as pessoas defendendo seus pontos de vista. Hoje, para mim, não faz o menor sentido. Estamos atravessados por tantas danças, história e informação que abordagem técnica da aula ou mesmo a obra vai se refletir a partir da história de vida do professor, instituição ou artista.
O que acredito é que a diferença está mais na separação histórica que fizemos sobre a dança moderna e seus criadores e os artistas atuais e suas artes contemporâneas. Evidente que para amparar essa divisão muitos conceitos e até regras foram pensadas para fazer essa divisão na linha do tempo da história.
No final das contas tudo as aproxima e a história seus momentos sociais as diferenciam.
Parece-nos que o panorama sociocultural atual nos impele a voltar os olhos às propostas modernistas, se não enquanto forma, ao menos enquanto vocação. Quais aspectos da dança moderna poderiam contribuir para o ensino contemporâneo?
A dança moderna rompeu paradigmas e transgrediu propostas corporais e de comportamento. Isso, acredito ser o mais interessante para o artista e educador dessa nossa época, portanto contemporâneo.
Os processos que buscam comunicação e parceria nas criações, com certeza foram importantes no que chamamos hoje de dança moderna e também uma das premissas do pensamento contemporâneo na dança.
A integração e inspiração com outros elementos da cultura também são aspectos que compõe esse tecido contemporâneo, herdado de experiências modernistas.
O Brasil é local de muitas juventudes. Quais diálogos podem ser realizados entre as culturas juvenis e a dança moderna?
O movimento, acredito ser o que aproxima os jovens, sendo assim não importa o formato ou a técnica se houver movimento tem desejo de investigar possibilidades e possíveis transformações nas estruturas já experimentadas.
Os jovens de hoje vão encontrando técnicas e estéticas que lhes chamam a atenção. Assim, como Martha Graham, um dos ícones da dança moderna, foi impactada por situações políticas que viveu no seu início de carreira em Nova York, pelas danças tradicionais da sua comunidade na infância, pela mitologia Grega e sua história e mitos, tudo isso está presente no seu trabalho. Com os jovens de hoje não seria diferente, com certeza o Hip-hop, o Funk, nossas desigualdades sociais e raciais, discussões sobre gêneros e comportamentos entre outras questões impactam o fazer artístico dessa geração.
O diálogo está no conhecimento, para que se tenha consciência do que já foi criado e sobretudo como. Quando conseguimos fazer essa viagem no tempo, encontramos artistas jovens do passado com desejos e jeitos muito parecidos com os dos jovens da atualidade.
Uma mensagem aos professores de dança das escolas brasileiras:
Olhem a dança para além das caixinhas, formatos, técnicas e modo de ser. A dança conecta o corpo com suas funções, o ambiente e a história, sendo assim, abre possibilidades de perceber o mundo a partir do seu corpo de uma maneira única, autoral e mais empática. Desperta sentidos e amplia olhares. Cria história e faz história. Dançar não é para ser bailarina ou dançarino. É para existir em corpo, corpo sensível.