Crédito das Fotos: Cia de Flamenco Del Puerto (Porto ALegre/RS). Foto Carlos Sillero
Depois de receber a notícia do aceite de meu nome como uma das novas colunistas do Portal MUD, fiquei extremamente feliz com o acontecimento em si, pois trouxe nele um estímulo para algo que eu cultivo desde a infância, que é o amor pela escrita. Mas, evidentemente, este aceite também carrega com ele algo bem maior, uma expectativa não somente minha, mas de um segmento artístico, ou seja, de várias pessoas que assim como eu acreditam que está totalmente em tempo do flamenco pesquisado, criado, produzido e ensinado aqui no Brasil, ser acolhido em meio à pluralidade da cena contemporânea e também em termos de escrita e diálogos multilaterais, como é o caso aqui do portal.
Cia de Flamenco Del Puerto (Porto ALegre/RS). Foto Cris Rosa
Para mencionar um brevíssimo levantamento, em termos de pesquisa acadêmica formal, ainda há poucas pessoas realizando aprofundamentos investigativos – criativos, teóricos ou memoriais. Felizmente, porém, já são alguns trabalhos de graduação e pós-graduação que podem ser encontrados nos repositórios institucionais das universidades brasileiras e que, possivelmente, poderão estimular a busca e o aperfeiçoamento desse novo campo de conhecimento. No que diz respeito aos processos de criação e produção de obras artísticas capitaneadas por companhias profissionais, vemos surgir, especialmente a partir de meados dos anos 2000, alguns projetos de maior vulto. São coletivos culturais, alguns dedicados exclusivamente ao flamenco, outros às artes integradas, os quais tiveram oportunidades de inserir seus espetáculos e criações em editais públicos e privados, políticas culturais municipais, estaduais e federais, temporadas, curadorias e convocatórias para festivais, entre outros. Enfim, são companhias de dança independentes ou ainda agrupamentos provisórios, concentrados em sua maioria nas regiões Sul e Sudeste do país, os quais se propuseram a furar a bolha e compor um aprofundamento da pesquisa corporal e cênica dessa linguagem artística ainda pouco difundida em solo brasileiro. Entretanto, quando falamos de cursos livres de formação em flamenco, vemos um enorme número de espaços dedicados ao ensino e difusão, não somente da dança mas da cultura flamenca, espalhados por absolutamente todo o território brasileiro. Aqui no Rio Grande do Sul as aulas de dança flamenca já não são uma febre como no final dos anos 90, mas, entre aulas regulares, cursos intensivos, atividades beneficentes e shows de final de ano, as escolas de flamenco ainda movimentam dezenas (e por vezes, centenas em algumas cidades de maior porte) de alunas e alunos, além de colaboradores de todos os segmentos da cadeia produtiva das artes cênicas, como músicos, iluminadores, técnicos de som, figurinistas, costureiras, cenotécnicos etc. Falo da perspectiva de artista e professora sul-brasileira, tendo sempre notícias atualizadas e acompanhando esse movimento de perto, através das muitas pontes que construí ao longo de 23 anos dedicados ao flamenco.
Dito isso, convém oferecer uma breve formulação de minha parte, no sentido de apresentar neste texto introdutório alguns dos temas que pretendo trazer para esse espaço de compartilhamento. É complexo sintetizar essa lista de intenções, pois estou tomada de uma especial euforia com a oportunidade que me foi concedida, mas seriam aproximadamente essas as discussões a serem pontuadas: em termos mais circunscritos, a inserção da linguagem flamenca na formação universitária para a área da dança (um sonho que venho acalentando há anos e já tive oportunidade de vivenciar em algumas ocasiões), os processos de criação e as condições enfrentadas para manutenção de repertórios das companhias de flamenco no Brasil, a formação de profissionais para os cursos livres, memorial de artistas e grupos brasileiros de flamenco, a apresentação de artistas referenciais do multiverso flamenco; já em termos mais gerais, gostaria muito de colher informações com os grupos e profissionais do Brasil, e assim, sempre num ambiente de relativização, abrir espaço para a discussão sobre as novas poéticas da cena que surgiram durante a pandemia, sobre políticas culturais de inclusão e acessibilidade (ou a falta delas), sobre feminismo, trânsitos interculturais e decolonialidade, sobre a história do flamenco relacionada às Américas e ao Brasil, assuntos estes que também alimentam diuturnamente meus fazeres artísticos, docentes e de pesquisadora, e que agora poderei apresentar e dividir com as leitoras e leitores do Portal MUD.
Cia de Flamenco Del Puerto (Porto ALegre/RS). Foto Claudio Etges
A oportunidade de apresentar escritos regulares concretiza uma necessidade que não é só minha. Escrever e compartilhar informações, levantar questionamentos, sublinhar problematizações, recorrentes em qualquer âmbito artístico (e não apenas do flamenco), é uma preocupação minha como agente cultural, experimentadora e artivista (como gosto de parafrasear a Dulce Aquino). Escuto meus pares falarem desse isolamento que ainda sentem, de um certo (e ainda) argumento do desconhecimento sobre a linguagem flamenca, que por vezes vem acompanhado de uma categorização estigmatizante e até mesmo de um certo fetichismo – que convenhamos, em tempos de pluralidade e porosidade, já não cabe mais entre nós. Assim, deixo alguns pontos abertos para estimular a curiosidade e abrir caminho para a próxima publicação. Vocês conhecem o que está sendo produzido artisticamente (em flamenco) no Brasil? Conhecem ou acompanham alguma companhia de sua região? Já assistiram a algum espetáculo ou performance flamenca? Já identificaram algum elemento referentel à linguagem flamenca inserido em outro contexto artístico? E artistas internacionais, vocês lembram o nome de alguma ou algum? E vocês sabiam que bailaora e bailaor significam o mesmo que bailarina e bailarino? Acho que teremos muito o que compartilhar!
Por fim, digo a vocês que os últimos dois anos foram absolutamente atípicos, pois vivemos (e seguimos vivendo) uma situação jamais imaginada, uma experiência densa, profunda e que com certeza deixou muitas marcas. Durante a pandemia, impossibilitada literalmente de estar em cena ou em sala de aula, escrevi muito, li outro tanto. Terminei de editar um livro sobre flamenco que, inusitadamente, também foi publicado e lançado nesse período intenso. Minha paixão pela arte, pela literatura, pela escrita, pelo flamenco, tudo isso se tornando realidade no momento em que eu menos esperava, provavelmente se converteu em um sinal para eu avançar e seguir acreditando que o show deve continuar. Abril, o mês da dança, me deu as boas vindas aqui no Portal Mud, e estar em meio a tantas e tantos colegas notáveis, celebrando a escrita e colaborando através dessa coluna, escrevendo sobre sobre flamenco, pode auxiliar a legitimar processos artísticos e a articular pensamentos de maneira crítica, na proximidade da prática e em torno das experiências.
Eu sigo atenta, sempre aberta às informações, partilhando dados e contextualizações, retomando aos poucos as atividades presenciais, mantendo algumas ações pela web, enfim, num movimento que considero tão importante quanto a dança em si, significativo para mim e bonito de ver acontecendo entre meus colegas. Vale mencionar que muitas relações se afirmaram devido a esse vai e vem pandêmico e, provavelmente por esse motivo, eu estou aqui com vocês hoje. Talvez esse também possa ser um belo assunto a se materializar em escrita, não? Nos vemos no próximo mês.
Um abraço!