Raymundo Costa: Uma vida dedicada à Dança

Crédito das Fotos: Ray Costa em 1979

Do palco às páginas da história, Raymundo Costa compartilha sua jornada de mais de três décadas como bailarino no Balé da Cidade de São Paulo e sua transição para a gestão do acervo da companhia. Em uma conversa inspiradora, ele reflete sobre os desafios, realizações e o legado que deixa para as futuras gerações de artistas.

Ray, como é carinhosamente chamado por todos que o conhecem, carrega consigo uma trajetória que transcende os palcos. Com mais de três décadas dedicadas à dança e um papel crucial na preservação do acervo da companhia, ele reflete sobre os momentos que marcaram sua carreira e o impacto de seu trabalho no cenário cultural brasileiro. Neste bate-papo, ele revisita os desafios que enfrentou, as conquistas que celebrou e a emoção de receber uma homenagem ao se aposentar, deixando um legado que inspira as futuras gerações de artistas.

Lei de Nada, coreografia de Gabriel Castillo para o Balé da Cidade de São Paulo, 2004

Como foi o início da sua trajetória como bailarino no Balé da Cidade de São Paulo? |O que o motivou a ingressar nessa companhia?

Ray Costa – Em 1980, com apenas 3 anos de experiência na dança, entrei para o então Corpo de Baile Municipal (CBM), que naquele momento passava por muitas mudanças. Logo no início do ano a TV Cultura estava filmando todo o repertório do final dos anos 70 e tive a sorte de entrar em várias coreografias para as gravações. Pouco depois muitos bailarinos deixaram a Cia, rumo à Europa, então tive bastante oportunidade de dançar, mostrar meu trabalho e me desenvolver cada vez mais.

Em 1978 o CBM fez uma turnê pelo Brasil e se apresentou em Belo Horizonte, onde eu estudava no Palácio das Artes e na Escola do Grupo Corpo e dançava com o Baleteatro Minas. Assisti dois espetáculos e fiquei tão impressionado com as coreografias e com a atuação dos intérpretes que me apaixonei e pensei que seria incrível um dia poder dançar no Theatro Municipal. Então, no final de 1979 vim para São Paulo fazer o teste e fui contratado juntamente com mais 3 bailarinos e 5 bailarinas. 

Romeu e Julieta, com a Companhia de Dança do Palácio das Artes, 1979. Raymundo Costa está à frente, no centro, em destaque.

Você atuou como bailarino por mais de 3 décadas, quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante seu tempo como bailarino no Balé da Cidade de São Paulo e como os superou?

Ray Costa – Conseguir me manter em forma por tanto tempo e buscar outras possibilidades de atuar dentro da companhia foram os maiores desafios. Para isso estava sempre me atualizando, aprendendo novas técnicas de dança, fazendo aulas e workshops fora do trabalho diário da Cia. Buscando sempre propor projetos e participar como coreógrafo das mostras de dança do BCSP.


Há alguma apresentação ou momento específico durante sua carreira no Balé da Cidade de São Paulo que se destacou para você? Poderia compartilhar alguma história ou experiência marcante?

Ray Costa – Difícil escolher um momento específico, aconteceram muitos momentos que foram especiais e importantes para mim. Vou citar, a gestão do Klauss Vianna, com a criação do Grupo Experimental com as obras Bolero e A Dama das Camélias, a gestão do Rui Fontana com a obra Zero de Johann Kresnik, a gestão de Ivonice Satie com as obras Z e De repente não mais que de repente, e a vinda de Ohad Naharin com Axioma 7 e na segunda gestão com a criação da Cia 2, da qual fiz parte por 9 anos. A gestão do José Possi, quando participei da criação coreográfica dos espetáculos, foi um período bem marcante. Também a participação como criador-intérprete na Cia 2, durante a gestão de Mônica Mion.

Mas são muitas histórias e vivências e considero todas as experiências muito especiais, não gostaria de citar nenhuma particularmente.

Z de Germaine Acgny para Balé da Cidade de SP- Raymundo Costa é o que está no canto direito da foto

O que o levou a transitar do palco para a gestão do acervo do Balé da Cidade? Como foi essa mudança?

Ray Costa – Foi um longo processo e é uma questão difícil de explicar, por causa do tipo de contrato como servidor da prefeitura, que existia na Cia até 1988 e que me deu estabilidade no trabalho. De 1980 até 2011, além de atuar como bailarino, atuei também como coreógrafo, assistente de coreografia, professor de dança moderna e contemporânea e coordenador de projetos didáticos. A partir de 2012 com a saída de Hugo Travers da companhia, por iniciativa própria passei a cuidar do acervo, depois em 2013 paralelo ao trabalho de assistente de direção de Iracity Cardoso dei continuidade a essa função. Na gestão de Ismael Ivo continuei cuidando do acervo, mas ainda com o contrato de bailarino. Somente quando me aposentei como servidor em 2019, foi que recebi do Instituto Odeon, organização social que gerenciava o Theatro Municipal, um contrato CLT como coordenador do Acervo do BCSP. De 2020 até 2024 atuei como coordenador artístico do BCSP.

Quais foram os principais desafios e realizações ao cuidar do acervo? Há alguma peça ou história do acervo que você considera especialmente significativa?

Ray Costa – Os diretores que passaram pelo BCSP sempre tiveram uma preocupação em registrar e coletar o material das apresentações, principalmente a partir da década de 90. Uma grande parte desse material já se encontrava no Acervo do Theatro Municipal. Meu maior desafio foi reorganizar, catalogar e juntar as informações do material que se encontrava na sede da Passalacqua, onde a cia funcionou de 1976 a 2017. Considero minha maior realização na coordenação do acervo a pesquisa de repertório e de artistas que trabalharam com a cia, que resultou no livreto que acompanhou a caixa de dvd´s comemorativa dos 45 anos e parte do livro dos 50 anos do BCSP.

Como foi receber uma homenagem no Theatro Municipal ao se aposentar? O que essa homenagem significa para você em reconhecimento à sua contribuição como bailarino e coordenador?

Ray Costa – Foi muito emocionante e me senti muito honrado. Ao longo da história do BCSP, não me recordo de nenhum artista que tenha recebido essa homenagem no palco do Theatro. Penso que ela aconteceu por eu ter conseguido me reinventar em diversas funções dentro da companhia e permanecido tantos anos ativo. Mesmo na história do Theatro Municipal poucos permaneceram ativos por tão longo tempo. É muito bom ver meu trabalho reconhecido através dessa homenagem e gratidão define meu sentimento nesse momento.

Olhando para trás, como você avalia a importância do seu trabalho como bailarino no Balé da Cidade de São Paulo e como coordenador para as futuras gerações de artistas?

Ray Costa – Convivi com várias gerações de artistas e bailarinos e acredito ter sido um exemplo de perseverança, dedicação e compromisso com a minha profissão para muitos deles.


Você mencionou que se sente privilegiado por poder se aposentar como bailarino no Brasil. Poderia elaborar sobre o que essa conquista representa para você, especialmente no contexto do cenário artístico brasileiro?

Ray Costa – Posso dizer que tive uma trajetória de sucesso. Venho de uma família humilde e aos 18 anos deixei a minha cidade natal, Montes Claros em Minas Gerais de carona para Belo Horizonte, em busca de trabalho. Lutei muito para realizar o sonho de me tornar bailarino profissional. Foi uma grande conquista e me considero realizado, fiz uma carreira linda naquela que considero a principal companhia de dança contemporânea do Brasil. Tive a oportunidade de morar e dançar na Alemanha e em Nova Iorque, criei coreografias e lecionei aulas para diversos grupos e bailarinos e trabalhei com grandes diretores artísticos, cenógrafos, figurinistas, iluminadores e músicos, dançando obras dos mais renomados coreógrafos nacionais e internacionais. Olhando de onde saí e onde cheguei me considero um vencedor. Então me aposentar com dignidade aos 66 anos é um motivo de muito orgulho.

Com sua vasta experiência no Balé da Cidade de São Paulo, como você enxerga o futuro da dança no Brasil? O que você acredita que precisa evoluir ou mudar para apoiar os artistas emergentes?

Ray Costa – A dança só foi reconhecida como profissão no Brasil em 1978 e olhando como era a cena da dança no Brasil quando iniciei e no que se transformou hoje, vejo um salto imenso, assim acredito que continuará crescendo cada vez mais. A garra e vontade de aprender do bailarino brasileiro é muito forte e isso levará a nossa dança muito longe.  Seria importante haver mais investimento na formação de bailarinos e coreógrafos e mais políticas públicas para a cultura, que ofereçam suporte aos artistas e grupos independentes.   

Carol Contri

Carol Contri

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Fundadora e Diretora Artística do Espaço Co.Art e da Cia Co.Art de Dança Contemporânea, formada em ballet clássico pelas metodologias Vaganova e Cubana e em Dança Contemporânea. Cursou Metodologia Vaganova pela Escola do Teatro Bolshoi Brasil e docência em dança contemporânea pela EDASP – Escola do Theatro Municipal de São Paulo. Jornalista, licenciada em Letras, Especialista em Psicopedagogia pela Universidade Anhembi Morumbi e Especialista Letras – Processos de Ensino e Aprendizagem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.  Professora de ballet clássico e dança contemporânea.