Diário Particular de um aprendiz a bailarino #3

Crédito das Fotos: Marcelo Kahn @instakahn

Eu falo com ele. Apesar de perceber que ele não me responde, acredito que ele pode me escutar. Não é fácil ser paciente. Intuir por alguém que está incapaz de escolher ou fazer por si só.

Percebo que ele deseja café, quando observo a saliva que se forma em sua boca após eu sussurrar a palavra c-a-f-é. Posso perceber o desejo, mas não sou preciso. Ofereço um café arábica, mas talvez o desejo dele seja por “Café Müller”.

Eu falo com ele. Mesmo que ainda nesse estado, sem consciência, sem resposta. Tenho plena certeza dos “Sonhos em Movimento” embora todo o resto seja apático. Apático, simpático e realmente paciente.

Muito mais paciente do que “Orfeu” e eu; que ansiosos, ao toque de cada nota não resistimos em querer observar se nossa “Euridice” está enfim respondendo.  

Eu falo com ele. Passarmos tanto tempo juntos, cuidador e paciente, mas eu não o conheço. E em cada ausência de resposta eu me apresso em exercitar, estimular, mexer, mesmo que sem consciência. E talvez ele só deseje silencio e “Água”

Ele não me responde, simplesmente porque nesse momento ainda não pode me responder. Eu não me conformo, mas preciso aceitar. Aceitar carinhosamente meu corpo adormecido e todos os seus esforços para despertar.  

Eu falo com ele. Ele não me responde. Mas talvez são essas tantas palavras que não estão deixando ele falar. Ele acreditar, que entre o inconformismo e a aceitação deve haver algum lugar confortável onde se possa dançar.

*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.

Samuel Nogueira

Samuel Nogueira

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Apresentando o covarde mais corajoso que você vai conhecer hoje: eu ! Meu nome é Samuel. Assistente de desenvolvimento de produto, metido a image maker, que começou a fazer aulas de ballet há 4 anos. Esta é a história de um tímido e desajeitado que sonha em aprender a dançar ballet, mas também é uma história de um nativo do mundo da lua que está tentando viver na terra e confiar mais em sim mesmo. Pra responder meus por quês, e sem precisar de para que, eu criei um diário virtual chamado @maisplie. O título da correção que eu mais recebo em todas as aulas de ballet. Um perfil de seu ninguém, misturado com repertório de zé mané; que aprende movimento para poder escrever, fotografa para poder enxergar, compartilha para poder acreditar. Um fulano, que apesar de todos medos, deseja continuar aprendendo a dançar.