As Olimpíadas e seu flerte com as Artes

Desde a apresentação de Daiane dos Santos, que encantou o Brasil em 2004, na Olimpíada de Atenas com a apresentação do solo “Brasileirinho”, composição do músico e compositor brasileiro Waldir Azevedo que data de 1947, a ginástica artística ganhou destaque na programação nacional, sendo uma das competições mais televisionadas e consequentemente uma das mais comentadas e esperadas pelo público, dividindo a atenção com os esportes afamados como vôlei, basquete, futebol, natação.

Nos últimos jogos olímpicos, nós brasileiros, conhecemos o fenômeno Rebeca Andrade, sua primeira participação olímpica se sucedeu nos jogos do Rio 2016, em seguida Tóquio 2020[1] onde conquistou a medalha de ouro no salto, prata na modalidade individual geral. Neste ano em Paris nas modalidades individuais conquistou duas medalhas, de prata e ouro no solo, além de compor a seleção brasileira junto com as atletas Flávia Saraiva, Jade Barbosa, Júlia Soares e Lorrane Oliveira que trouxeram para o Brasil a até então medalha inédita por equipes, alcançando o bronze. Rebeca Andrade se consagrou como a atleta brasileira com maior número de medalhas e uma das ginastas mais respeitadas do mundo. Mas o que isso tem a ver com a dança? Neste ano em específico o Breaking Dance  entrou para as competições, o que merece um destrinchamento apenas para este acontecimento assim como estudos posteriores que visem como a inserção de uma linguagem artística de dança pode influenciar a própria linguagem e seu mercado de trabalho. Mas também este fato aponta para uma aproximação entre arte e esporte. Sabemos que a arte que se dá pelo corpo é a dança, ou seja, é a linguagem artística mais propícia a se entrelaçar com as Olimpíadas.

A Ginástica Artística Olímpica de certa maneira conversa com a dança clássica, uma vez que passos como pirouettes, sissones, grand battements, ponchée por exemplo são empregados nas coreografias, além de outras identidades técnicas do Ballet Clássico. Uma curiosidade interessante é que a própria Rebeca Andrade em agosto de 2021 foi jurada do “Dança dos Famosos”. Quadro apresentado em um programa dominical da emissora  TV Globo. Ou seja, mesmo não sendo uma especialista em dança, a ginasta foi interpretada pelo público como uma entendedora capaz de valorar as apresentações. O intuito não é o de apresentar um juízo de valor que concerne às habilidades técnicas de R. Andrade julgar ou não uma forma de dançar, mas com o advento dos cursos de graduação e pós-graduação em Dança, Artes Cênicas, Artes o consequente aumento da literatura acadêmica o número de profissionais da área aumenta gradativamente. Portanto, hoje podemos nos valer de uma gama mais ampla de profissionais exclusivos.

As Olimpíadas exercem um papel importante na construção social, não só por evidenciar esportes, iluminando a potência do corpo como uma máquina de superar limites e desafios físicos, ambientais e psicológicos, mas em seu surgimento. Segundo o historiador e youtuber Paulo Rezzutti (2024), uma das versões para a criação dos jogos olímpicos ocorreu porque sonharam que ao invés dos corpos lutarem em guerras, as nações poderiam se confrontar através de esportes e arte. Sim! A arte fez parte das primeiras competições. Ressalta-se que esse pressuposto não foi levado em conta, visto que os jogos foram afetados pela Primeira e Segunda Guerra Mundial.

No que tange a arte, quem deu o pontapé inicial foi o historiador francês Pierre de Frédy (1863-1937), popularmente conhecido como Barão de Coubertin, o homem que iniciou os Jogos Olímpicos da era moderna e incluiu a arte nos jogos, através das competições de literatura, música, escultura e pintura que perduraram entre 1912 a 1948. Com o pressuposto de que essas linguagens desenvolviam o corpo e a mente, entretanto um dos pontos que retirou as artes dos jogos foi a qual os artistas eram considerados profissionais, pessoas altamente capacitadas e se distinguiam dos atletas, que eram vistos como amadores (Rezzutti, 2024).

Esta visão dual, descartiana (René Descartes) entre corpo e mente fez parte da interpretação do mundo francês, dado que o país exerceu importância e influência nos jogos olímpicos modernos. A França traumatizada nos pós-guerra desenvolveu um projeto de reconstrução da pátria, o guia foi a formação de corpos fortes. À vista disso,  as entidades governamentais financiaram práticas esportivas nas escolas e em cursos de formação superior para compor equipes docentes aptas a regenerar a nação pelo corpo (Prette, 2021). Os atributos corporais ganharam foco e destaque, a arte interpretada como uma qualidade intelectual e que exigia um outro tipo de preparação e de fruição, inclusive mais difícil de ser apurada e quantificada quando comparada a um esporte que pode se valer da métrica da velocidade, por exemplo.

Entretanto, a ginástica pode trazer um olhar para a dança, pois diferente do vôlei, basquete, surf o processo de fruição do espectador para a ginástica namora com a apreciação em dança, uma vez que o corpo é trabalhado em sua potencialidade, mostrando como ele é capaz de apresentar giros, saltos se preocupando com a estética e com a linguagem coreográfica. Para a dança esse movimento pode ser benéfico ou maléfico. Benéfico, pois  podemos pegar uma carona, pois as ginastas realizam aulas de Ballet, a própria Júlia Soares iniciou sua carreira na ginástica com a dança clássica. Em projetos sociais, na maioria dos casos, as aulas de Ballet esgotam as vagas, no imaginário popular mães e crianças sonham em ser bailarinas ou ter familiaridade com a linguagem vista como elegante, essa relação pode aquecer o nosso mercado de trabalho, requerer talvez, o olhar de investidores e familiarizar as outras linguagens em dança também, que muitas vezes estão distantes do grande público, pois sabemos que no Brasil a apreciação artística ainda é vista como uma qualidade da elite. Maléfica uma vez que reduzir o corpo de um artista a apenas suas capacidades físicas e quantitativas podendo levar a fruição da arte a perder uma de suas maiores qualidades: a criação, reflexão e criticidade a partir da arte, entre outras potencialidades que a dança tem a capacidade de comunicar.

 

REFERÊNCIAS

PRETTE, Nailanita. Os Sete Níveis de Jacques Lecoq: um estudo performativo e conceitual. Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes. Belo Horizonte, 2021.

REZZUTTI, Paulo. Olimpíadas: dos deuses aos homens, a história não contada. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=yjMhjxaBu1Q&list=PLABMi3IEbd01iJNgFdAd9hz_vMpBfwRUp&index=6. Acesso em: 02/08/2024.


[1] Os jogos aconteceram no ano de 2021 em decorrência da pandemia da COVID-19.

Nailanita Prette

Nailanita Prette

Ver Perfil

Mestre em Artes – linha de pesquisa Artes da Cena, pela UFMG; licenciada e bacharel em Dança pela UFV; técnica em Dança pela ETAM Santa Cecília. Artista das Artes do Corpo com ênfase em Dança Contemporânea e Performance, com trabalhos autorais e com artistas parceiros. Professora de Dança e Artes na rede pública de ensino e no curso técnico de Artes Visuais, ambos da Secretaria de Educação de Minas Gerais. Pesquisadora em Dança e Teatro Físico com interesse nas temáticas: Analise do Movimento, Técnicas Corporais, Poética do Corpo, Processo Criativo em Dança, Improvisação em Dança e Modos de Mover Contemporâneos. Se interessa na teorização da Dança a partir da prática, do corpo em movimento, uma das vertentes de trabalho que vem se arriscando é a Critica em Dança.