A Bienal vista pelos estudantes do 2º ano do curso de Dança da Unicamp

Espetáculo “Le Bizu” da Clarin Cia. de Dança. Foto: Heloísa Morais - 4 de outubro de 2025.

Profa. Dra. Maria Claudia Alves Guimarães; Josie Berezin Lafer; Laís Julie Brasil Breyton

Esse artigo refere-se ao trabalho desenvolvido com os alunos do 2° ano da graduação do curso de Dança da Unicamp, junto à disciplina de Introdução Metodologia de Pesquisa, ministrada pela Profa. Dra Maria Claudia Alves Guimarães, e que conta com a colaboração das alunas Josie Berezin Lafer, doutoranda e bolsista do Programa de Estágio à Docência; e, Laís Julie Brasil Breyton, graduanda e voluntária pelo Programa de Apoio Didático da Unicamp. Dentre os propósitos desta disciplina, está o desenvolvimento de habilidades técnicas e criativas para elaboração de textos acadêmicos e de projetos de pesquisas. Por esta razão, um dos trabalhos propostos, foi a elaboração de resenhas críticas sobre os espetáculos, workshops, instalações, e demais atividades da 14ª Bienal Sesc de Dança. Para isso, foi estabelecido uma parceria com o Sesc Campinas, que concedeu alguns ingressos para que os estudantes tivessem maior acesso ao evento.

Turma do 2º ano.

Assim, esse artigo tem como objetivo mostrar o resultado das discussões realizadas em classe sobre a 14ª Bienal Sesc de Dança, e apontar como os estudantes viram, entenderam sobre o evento em si; e como perceberam os espetáculos, por meio de suas resenhas críticas.

A proposta buscou estimular a reflexão sobre o evento e o olhar crítico dos alunos diante das obras apresentadas. A experiência foi enriquecedora, uma vez que para alguns esta foi a primeira bienal que tiveram a oportunidade de participar. Com isso, os estudantes ampliaram seu repertório e compreensão sobre a dança, explorando diferentes linguagens, temáticas e perspectivas culturais, assistindo espetáculos de diversas regiões do país e do exterior, participando de oficinas e palestras, assim como de outras atividades como jams, bailes e encontros.

A curadoria diversa da Bienal despertou admiração e curiosidade, incentivando os estudantes a relacionar as obras com suas próprias identidades e trajetórias. Foi gratificante observar o envolvimento coletivo, a organização para acompanhar a programação (trocando até ingressos entre si) e a profundidade das análises produzidas, que revelam um olhar sensível e crítico sobre a cena contemporânea da dança.

Nas palavras dos alunos, a Bienal foi “um evento muito bom, com apresentações, artistas e temáticas voltadas à identidade” (Agatha Oliveira Causo); uma oportunidade para perceber “a valorização de culturas e estéticas não europeizadas” (Íris Cecílio), um espaço onde “os corpos em movimento se multiplicaram em potencialidades[…] reescrevendo e contando histórias na pluralidade daqueles que dançam: pessoas com deficiência, indígenas, negros, trans, idosos, periféricos, e tantas outras presenças.” (Ana Carolina Andreucci).

Outros destacaram o caráter formativo e político da experiência: “um grande privilégio e reafirmação do meu caminho na dança” (Lili Miranda); “momentos inesquecíveis, com professores incríveis e brasilidades diversas” (Maria Luiza Araújo); e “um ambiente acolhedor e transformador nas ações formativas” (Maria Vitória Nascimento). Segundo Lili Miranda, “a ação formativa de dança afro ofereceu um amplo panorama do trabalho da companhia [do Balé Folclórico da Bahia], e foi muito interessante perceber, na apresentação, os elementos explorados em aula.

Para muitos, a Bienal despertou reflexões profundas sobre corpo, identidade e pertencimento, assim o estudante indígena Nacor Almeida considerou o evento como “um território de risco e respiração, onde o corpo diz o que o discurso ainda não consegue” enquanto Sarah Mantovani o percebeu como “um espaço político de corpos diversos e potentes”.

Por sua vez, a estudante Vitória Vieira dos Santos, ao assistir o Grande Ball da Casa de Odara, observou que esse foi um momento de “celebração potente da cultura ballroom e da presença negra e LGBTQIA+ dentro da dança. A energia do público, a força das performances e o modo como cada participante ocupava o espaço com orgulho e autenticidade me fizeram repensar o que é dança e o que é pertencimento. Foi um momento em que o corpo deixou de ser apenas técnico e passou a ser político, expressivo e cheio de história. A abertura foi feita em conjunto com o Capoeira para todes, e teve a Djameika no canto, cantando e puxando os toques. Foi um começo muito forte, cheio de ancestralidade e presença. O mais incrível foi que, enquanto eu assistia, percebi que minha mãe, que estava ao meu lado, começou a cantar junto com os capoeiristas, e eu nem sabia que ela conhecia aqueles cantos. Fiquei emocionada vendo isso, porque foi como se ela também se conectasse com algo antigo e vivo dentro dela.”

De acordo com Maya Antunes Zolli, ver corpos tão diferentes compartilhando o mesmo chão me fez sentir parte de algo maior, uma comunidade de artistas e espectadores movidos por curiosidade, coragem e entrega. A Bienal de 2025 se mostrou um território de risco e respiração, onde o corpo pode dizer o que o discurso ainda não consegue.”

Muitos alunos também comentaram sobre o trabalho da curadoria identificando “relações com a ancestralidade, memória e história”, que “apesar de diferentes entre si”, permitia “criar ligações entre as obras a partir desta temática que perpassa o evento, se apresentando de forma mais sutil ou intensa a depender do momento”, aproveitando as palavras de Sofia Pereira Rocha.

Destacamos abaixo alguns trechos das resenhas escritas pelos alunos, expressando suas visões sobre os espetáculos:

A mon seul désir (Ao meu único desejo) de GaëlleBourges

“Viva e provocadora, a obra traz à tona o tabu da sexualidade feminina que atravessa o tempo. Provoca a crença sobre a verdade material dos corpos, e eleva toda a existência a um patamar simbólico, onde os corpos dos bailarinos deixam de representar os meros animais que interpretam, e se tornam representações de valores basais da humanidade, representados pelos animais, como família, sexualidade, moral e religião.(Flávio Calefi)

 

Mascarades 

“Seu canto, que anseia e revoga a liberdade, emociona toda a plateia depois que a intérprete “se liberta” da capa e do penteado no cabelo, ao mesmo tempo que seduz e instiga a olhá-la, seguí-la.” (Amanda de Paula Milani)

“Seu corpo brinca com a verticalidade, junto de pequenos gestos repetitivos em que ela toca diferentes partes de seu corpo, como se redescobrisse a própria matéria que habita dentro do mundo. A voz alcança a garganta, mas não sai, o corpo treme descobrindo o novo, mas o pulsar se mantém vivo em todas as presenças que habitam um corpo.” (Anabela Moraes Brasil)

“O público, assim como um marinheiro naufragado, se encontra hipnotizado pelo canto belo e sinistro da sereia que ali se apresenta. A poética que transpassa a performance nesse momento é justamente esta: um novo corpo, dessa vez humano, está em descoberta pela personagem. O canto agora é tomado por uma tentativa de diálogo. Enquanto salta, Ange expurga palavras cortadas, como uma criança que aprende a falar. Sem ar. […]Mascarades’ captura o público com uma isca na forma de uma sereia que anseia pelas pernas que a permitirão dançar. A corporeidade consoante à de Mama Wata é rica e preciosa como a pérola de uma ostra. A dicotomia do sentimento do público é exatamente esta: a curiosidade o suficiente para vencer o medo que lhe é incitado, e a sensação de incômodo, que permite àquele que assiste manter-se na ação de prestigiar o que é exposto.”(Guilherme Medina dos Anjos)

 

Under the Flesh [Sob a Pele]

“[…] as cenas se utilizam do humor e da ironia, como ferramentas de sobrevivência. O corpo se desdobra em fluxos e imaginários para desafiar conflitos e transcender memórias, afirmando uma narrativa falada e dançada que deixa seus rastros pelo percurso e sensibiliza aqueles que a contemplam e vão embora pedindo por mais.” (Ana Carolina Rezende Andreucci)

 

E nunca as minhas mãos estão vazias

“O espetáculo exige disponibilidade do público, mas oferece em troca uma experiência sensível de presença radical: frágil e potente, capaz de tornar a realidade mais habitável. “E nunca as minhas mãos estão vazias” reafirma a potência da coletividade, da resiliência e da invenção, oferecendo um convite à experiência do agora como espaço de reinvenção política, poética e sensível. A obra demonstra como a dança pode ser um território de experimentação, memória e atualização contínua, evidenciando a força do corpo enquanto suporte de histórias e de relações humanas.” (Heloisa Graciano Soares)

 

Le Bizu

“[…] a apresentação instaurou um clima de encontro e celebração. O espaço cênico se converteu em uma pista de dança viva, onde a arte e a vida se misturavam. A trilha sonora, composta por clássicos da música popular brasileira reinterpretados ao vivo, reforçou esse caráter nostálgico e afetivo, fazendo emergir lembranças e emoções partilhadas entre artistas e espectadores.” (Heloísa Morais Oliveira Barbosa)

 

Mané Boneco

“Desde o início do espetáculo, os integrantes do grupo trouxeram uma corporalidade de montar e se desmontar – em alusão ao boneco trapezista de madeira, brinquedo originário do Nordeste – nessa tecedura e mescla entre o que é maleável e o que é rígido, da relação de um corpo que se torna boneco, travesso, serelepe e moleque. O espetáculo traz uma poética que dialoga entre o breaking e a capoeira, em movimentos que envolvem idas ao chão: saltos, acrobacias, acolhimentos, impulsos e esquivas.(Íris Cecília de Castilho Cecílio)

 

Cela

“A artista busca reavaliar as indagações que permeiam sua vivência de mulher negra, explorando sua identidade e liberdade, e desenvolve, em seu solo, a profundidade do seu ser, um “eu” quase retido, que se desfolha em complexidade e se enxerga, pela primeira vez, como uma cela orgânica sem amarras, vulnerável, despida e completa.” (Lígia Bernardes Alves Mota)

 

Rito Artístico: Farinha Poética

“Essa obra carregada de sensibilidade, é antes de tudo um sopro ancestral, que atravessa o tempo carregando memórias. Juani nos entrega um rito de cura e celebração que nos convida a reconectar-se com as próprias origens e com a energia sagrada ancestral que nos rege.” (Lili Miranda)

 

EXÓTICA: Sobre a História Racializada da Dança Europeia

A cena se torna um lugar simbólico, que escancara a presença dos nossos ancestrais em nossos corpos, a importância da representatividade e da força dos corpos racializados que foram apagados da história da dança ocidental. Todo o espetáculo tem uma riqueza de detalhes, de signos e de simbolismos que instiga o público a refletir sobre a própria ancestralidade.” (Manuela Crema Ferraz)

“Exótica, da coreógrafa Amanda Piña, conhecida por sua abordagem híbrida que funde dança contemporânea com elementos folclóricos e rituais ancestrais, usa Exótica para desconstruir o conceito de “exotismo” como uma lente colonial que transforma culturas periféricas em espetáculos para o consumo ocidental.” (Raíssa Dainese)

 

DARKMATTER

Em seu workshop, Cherish buscou trazer o processo de pesquisa de DARKMATTER para seus alunos. Trabalhando com as distorções do rap, colapsos e máscaras faciais, a performer nos questionou sobre o que um movimento lento e contínuo pode causar em um corpo e como os colapsos entram como ferramenta crucial para se buscar novos espaços corporais. Aplicando diferentes dinâmicas, como travessias no tempo lento, cantarolar músicas e máscaras faciais, procurou trazer as dissonâncias e distorções do rap para o nosso corpo. Ao articular dança, rap e crítica social, o espetáculo produz um desdobramento que transcende a cena, reverberando em diferentes pontos do que chamamos de humano.” (Sarah Lorenzoni Mantovani)

 

Serenatas 

“Serenatas é o fechamento de uma residência com mulheres de 60 anos ou mais que suspenderam a rotina para dançar, experimentar o corpo, despertar memórias, se movimentar para continuar criando, sentindo, sonhando mesmo ao envelhecer.” (Rayane da Silva Nunes)

 

Por Trás do Sul – Danças para Manuel 

“A sincronia entre a dinâmica da música e da dança eleva a cena ao seu nível máximo de energia, a presença de todo o elenco formando um momento de conflito e rebelião em conjunto com a percussão agitada e tensa cria uma coesão dramatúrgica. […] a seriedade com que se representa os orixás, os guardiões antepassados e a força vital da coletividade na luta por uma vida justa e promissora contribuem para um espetáculo completo e cheio de significados valiosos.” (Maria Vitória Araújo)

 

Vogue Funk

“Vogue Funk é uma explosão de presença, dança e cultura popular atual que vem tomando conta das ruas cariocas. A mescla do passinho de funk, com a cultura ballroom traz uma dramaturgia de tirar o fôlego, quebrando os padrões eurocêntricos que acompanham os palcos profissionais.” (Maria Luiza Rodrigues)

A interação com o público foi constante e intensa. Olhares, sorrisos, movimentos direcionados a espectadores específicos e até breves falas criaram um ambiente de grande imersão, como se espectadores e artistas compartilhassem a mesma energia festiva. Imersiva, vibrante e pulsante, a apresentação deixou uma marca profunda: saí do teatro tomada por entusiasmo e inspirada a desenvolver trabalhos em diálogo com propostas semelhantes.” (Manuela Vasconi)

 

EKESA

“Aos poucos a roupa social, primeiro o blazer, depois a calça, são retirados do corpo e dão lugar a saia de palha, as expressões do bailarino se tornam mais leves e sorridentes, as movimentações repetitivas dão espaço a movimentos expansivos, animados e de extrema força e energia, mesclando a dança afro contemporânea, danças tradicionais angolanas, danças urbanas e improvisação. O herói se reencontra.” (Sofia Rocha)

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Espaço reservado para publicações dos trabalhos e pesquisas científicas dos docentes e discentes do Curso de Dança da Unicamp, assim como notícias, eventos e novidades da graduação. O curso de Dança da Unicamp oferece formações em bacharelado e licenciatura, que exigem do aluno dedicação em tempo integral. Em ambos os percursos, o exercício da alteridade permeia a construção de uma dança que o aluno deverá vivenciar em seu corpo, passando a refletir sobre as questões ligadas ao movimento e em consonância com ideais políticos, sociais e culturais do seu tempo. O projeto pedagógico do curso de Dança da Unicamp propõe uma formação integrada entre os conteúdos do bacharelado e da licenciatura, por serem conhecimentos essenciais ao desenvolvimento das habilidades do futuro artista-educador em dança  <www.iar.unicamp.br>.