LABORATÓRIO DA DANÇA

Pioneiros da Educação Somática no Brasil

Quarta, 06 de Junho de 2018 | por Débora Bolsanello |

Embora admitamos que as estreitas relações entre a dança e o campo que conhecemos hoje sob o nome de Educação Somática vêm sendo – desde o final do século XIX – determinantes para o amadurecimento de ambos campos do saber, é igualmente relevante destacarmos que os estudos de anatomia/cinesiologia, antropologia/filosofia/sociologia e neurociência sintetizados pelos métodos de Educação Somática extrapola o mundo das artes cênicas e que, desde suas origens na Europa, justapõe-se às práticas de profissionais das mais diversas áreas, inclusive a da saúde.

No Brasil atual, testemunhamos o florescimento do campo da Educação Somática, que se torna cada vez mais utilizado e pesquisado por fisioterapeutas, educadores físicos, artistas e professores universitários. Hoje, as metodologias somáticas estão inseridas nos currículos de dança e de artes cênicas de muitas universidades do país.

Importante lembrar que, tal como nos seus primórdios na Europa, os métodos de Educação Somática no Brasil de hoje também fazem parte de um movimento social mais amplo: avanços da neurociência, desenvolvimento de práticas econômicas sustentáveis, o surgimento de novas moedas de troca, lutas contra racismo, inclusão de deficientes, questionamentos sobre a ditadura de padrões de beleza, ressignificação do conceito de gênero, maior aceitação das marcas da idade, neofeminismo.

Diante da crescente valorização do campo da Educação Somática, tomamos a iniciativa de produzir um vídeo-documentário e um livro que dá seguimento às obras por nós já publicadas: Em pleno corpo: Educação Somática, movimento e saúde (Editora Juruá, 2010) e Educação Somática: ecologia do movimento humano (Editora Juruá, 2016). O projeto Pioneiros da Educação Somática no Brasil teve início em janeiro de 2018 e está em curso. Trata-se de entrevistas com mais de 40 dos primeiros profissionais brasileiros a se formarem nos métodos de Educação Somática e os implantarem no Brasil.

Por quê esses profissionais se interessaram pelo estudo da somática ainda que na sua época fosse algo de difícil aceitação profissional ? Que eventos pessoais o levaram a passar de simples praticantes a professores e de professores a formadores? Que desafios técnicos, conceituais e pessoais encontraram eles durante sua formação? Que mestres marcaram seus destinos? Que adaptações sofreram os métodos de Educação Somática uma vez transplantados no Brasil? Qual o impacto das novas tecnologias de comunicação e das redes sociais no desenvolvimento da corporeidade contemporânea? A Educação Somática é política? Espiritualidade e Educação Somática se misturam? Qual a definição de Educação Somática no Brasil de hoje?

Essas são algumas das perguntas que fizemos aos entrevistados.

O projeto nasceu de duas principais inquietações: a primeira diz respeito a nosso objetivo profissional de que a Educação Somática não seja reconhecida no Brasil exclusivamente no meio das artes cênicas.

A segunda refere-se à qualificação de educadores somáticos no Brasil.

Constatamos uma contradição entre a crescente popularização que os métodos de Educação Somática vêm alcançando no Brasil e as dificuldades de formação. Se de um lado, são muitos os que se surpreendem com a profundidade de seus princípios e se impressionam com a eficácia das técnicas, de outro lado, ainda são poucos os que se engajam em uma das formações oficiais dos métodos.

Ousamos pensar que a dificuldade de capacitação do educador somático no Brasil não se dá exclusivamente por questões econômicas, mas também pela difusão da crença equivocada de que para tornar-se um educador somático seriam suficientes vivências pessoais e estudos informais, uma vez que a Educação Somática é um campo em perene construção, tem um caráter flexível e fundamenta-se na experiência subjetiva.

Muito embora a metodologia somática valide o sensório-motor, o subjetivo e o intuitivo como formas de saber, o projeto Pioneiros da Educação Somática no Brasil testemunha também do olhar científico, rigoroso, objetivo e consensual que o campo exige de seus profissionais, sem os quais o conhecimento que ele promove seria reduzido à categoria de opinião pessoal.

Hoje já sabemos que a história pessoal dos fundadores dos métodos de Educação Somática na Europa mescla-se com a história conturbada de seus países durante as Primeira e Segunda Guerras Mundiais. Pioneiros da Educação Somática no Brasil honra aqueles  fundadores dos métodos de Educação Somática que, a fim de se tornarem porta-vozes de um novo conceito de corpo no ocidente, não se deixaram abater por regimes totalitaristas, nem pela escassez de recursos, nem pela precariedade da vida de imigrante. Qualquer semelhança com o Brasil atual não é mera coincidência.

Pioneiros da Educação Somática no Brasil é a certeza de somos parte de uma família de pesquisadores e livres pensadores comprometidos com a evolução da consciência humana.

Quanto à difusão dos métodos de Educação Somática para além do contexto das artes cênicas, o projeto Pioneiros da Educação Somática no Brasil conta com a participação de vários fisioterapeutas, médicos, psicólogos e um fonoaudiólogo, sublinhando a aplicação bem-sucedida que profissionais da saúde vêm fazendo das abordagens somáticas data de várias décadas. 

Que os caminhos abertos pela experiência desses desbravadores sirvam de motivação aos jovens brasileiros que trabalham na área da saúde a se formarem em um dos métodos de Educação Somática com o qual mais se identifiquem e aprofundar ainda mais as aplicações já realizadas.

Estamos certos de que o livro e o vídeo-documentário Pioneiros da Educação Somática no Brasil contribuirá e elevar o campo à categoria de disciplina e abrirá novos espaços de trabalho, pesquisa e formação em Educação Somática em nosso país, na medida em que destaca a autoridade e a competência de profissionais brasileiros em semear, plantar, zelar e colher os frutos de libertários conhecimentos sobre o desenvolvimento dos potenciais do ser humano em seu meio ambiente.


As entrevistas com vários dos Pioneiros já foram filmadas e precisarmos de ajuda para pagar os custos de produção e terminar a edição! Faça uma doação ou divulgue a campanha de financiamento coletivo ! Quando terminado, o vídeo estará disponível gratuitamente para todos !

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Referências Bibliográficas 

BOLSANELLO, Débora Pereira (Org.). Educação Somática: ecologia do movimento humano. Curitiba: Editora Juruá, 2016.

BOLSANELLO, Débora Pereira (Org.). Em pleno corpo: Educação Somática, movimento e saúde. Curitiba: Editora Juruá, 2010.

DOMENICI, Eloisa. O encontro entre dança e educação somática como uma interface de questionamento epistemológico sobre as teorias do corpo. Pro-Posições, Campinas, v. 21, n. 2 (62), pp. 69-85, mai./ago., 2010. Disponível em . Acesso em 26 jan. 2012.

EDDY, Martha. A brief history of somatic practices and dance: historical development of the field of somatic education and its relationship to dance. Journal of Dance and Somatic Practices, Conventry, v. 1, n. 1, pp. 5-27, 2009.

EHRENFRIED, Lily. Da educação do corpo ao equilíbrio do espírito. 3ª ed. Trad. Ângela dos Santos. São Paulo: Summus Editorial, 1991.

FERNANDES, Ciane. Quando o todo é mais do que a Soma das partes: somática como campo epistemológico contemporâneo. Revista Brasileira Estudos da Presença, Porto Alegre, v. 5, n.1, pp. 9-38, jan./abr., 2015.

GEUTER, Ulfried; HELLER, Michael; WEAVER, Judyth. Elsa Gindler and her influece on Wilhelm Reich and body psychotherapy. Body, movement and dance in psychotherapy, v. 5, n. 1, pp. 59-73, abr., 2010. 

GINOT, Isabelle. From Shusterman’s Somaesthetics to a radical epistomolgy of Somatics. Dance Research Journal, Cambridge, v. 42, n. 1, pp. 13-29, 2010.

LOURKES, R. Concentration and awareness in psychophysical training: the practice of Elsa Gindler. New Theatre Quarterly, Cambridge, v. 22., n. 4, pp. 387-400, 2006.

MILLER, Jussara Correa. Qual é o corpo que dança? Dança e Educação Somática para a construção do corpo cênico. 2010. 155f. Tese (Doutorado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.


Publicado por :



Débora Bolsanello

Diretora do Núcleo Oito Educação Somática



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