MURAL DA DANÇA

O ciclo vicioso no financiamento de projetos culturais no Brasil

Imagem: Photo by Tuur Tisseghem from Pexels | Segunda, 17 de Setembro de 2018 | por Gustavo Dalla Valle Baptista da Silva |

Não é novidade que a produção cultural brasileira sofre, sensivelmente, com a falta de recursos e de público, enfim, de valorização.

O Projeto “Cultura nas Capitais”(1) buscou apurar, com apoio do DataFolha, o mapa do consumo cultural brasileiro e constatou: (i) que apenas um terço da população frequenta, ao menos uma vez ao ano, atividades ligadas à dança, o teatro ou museus e pouco mais (46%) comparecem anualmente a shows; (ii) pior, outro terço nunca foi a uma apresentação de dança, a um museu ou ao teatro (levantamento que ultrapassa a metade da população se consideradas apenas as classes D e E); e (iii) dois terços dos pesquisados buscam atividades gratuitas em detrimento das pagas.

Sem dúvida esses estarrecedores dados são o resultado de pouco investimento no desenvolvimento de público. O pouco interesse não é o motivo do pouco investimento, mas sua consequência.

E a explicação, infelizmente, é que as três principais fontes de financiamento (patrocínio privado, bilheteria e recursos públicos) não suportam, de modo sustentável, a produção cultural nacional e lançam-na num maléfico ciclo vicioso:

a)      a pouca valorização da cultura e das manifestações artísticas limita o retorno financeiro de quem as produz;

b)      quem as poderia fomentar, pretendendo retorno financeiro (patrocínio), não o faz pela mesma razão;

c)      em consequência, surge a dependência dos recursos públicos;

d)      contudo, tais recursos são dados em volume insuficiente (seja pela falta de interesse político ou prioridade, falta de recursos propriamente, ou mesmo mal uso);

e)      com poucos recursos pouco ou nada se investe no desenvolvimento de público e na ampliação de interesse, que poderiam tornar o mercado cultural mais rentável;

f)       logo, volta-se ao problema inicial e à dependência do fomento estatal, seguindo-se, indefinidamente neste mesmo ciclo.

É interessante ressaltar quão perniciosa é essa dependência estatal e a falta de perspectiva em solucioná-la.

A disponibilização dos recursos se dá, em geral, diretamente pelos governos (editais) ou indiretamente, por desonerações fiscais para que empresas revertam parte do dispêndio com tributos a projetos culturais.

No primeiro caso a disponibilização é burocrática, obrigando os proponentes de projetos a um longo trajeto para aprovação, e são insuficientes, impondo-lhes limitações de toda ordem (redução de orçamento, de abrangência e extensão, concentração da divulgação e outros).

Em paralelo, o financiamento privado por desonerações (imposto de renda e ICMS), que poderia ser uma solução para a escassez de recursos, mostra-se outro entrave. Os valores admitidos na desoneração são limitados e, em especial, tratados como verba de marketing (objetivando exposição da marca na maior extensão possível), e acabam por concentrar os recursos aos poucos “produtos populares” – os mesmos que teriam mais potencial de captação em bilheteria. Remanescem os projetos menores ou menos populares relegados apenas à captação pública direta – não é incomum ver projetos aprovados (Rouanet ou ProAC) que caducam pela transposição de prazo sem conseguir captação(2).

Enquanto não se investir na criação de público e na transformação do consumo de cultura e arte em algo cotidiano do brasileiro dificilmente sairemos dessa situação. Estimular a aproximação do “produto” de seu “consumidor” é essencial nessa tarefa e destinar parte dos recursos públicos e privados nesse propósito é o caminho principal para desanuviar o problema.

A crítica não é nova e há projetos de lei em andamento que devem contribuir para a evolução do modelo de financiamento da cultura. Apenas não se pode esquecer que o cerne da questão está no ciclo de dependência do próprio financiamento, que deve ser substituído pela construção um fluxo sustentável de criação e manutenção de produtos culturais.


(1)    www.culturanascapitais.com.br

(2)    A título de exemplo, segundo dados do MinC, foram aprovados R$ 5,2 milhões para captação em 2015, porém, apenas R$ 1,1 milhão foram efetivamente captados (vide http://www.cultura.gov.br/noticias-destaques/-/asset_publisher/OiKX3xlR9iTn/content/incentivo-fiscal-rende-mais-de-r-1-bilhao-para-cultura-em-2015/10883)

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Gustavo Dalla Valle Baptista da Silva

Advogado sócio da LBZ Advocacia



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