Crédito das Fotos: Ana Vieira, Jânia Santos e Joselma Soares em processo criativo de GRAÇA da Giradança e Elisabete Finger. Foto: Samuel Oliveira.
A História da Dança se repete. Essa História institucionalizada, marcada por traços de conservação e entranhada de valores com os quais sequer nos identificamos enquanto sociedade, segue se perpetuando num vertiginoso delírio que sustenta a hegemonia dos modos de vida dançados.
Em cada dobra do território brasileiro, há um festival, uma mostra, um encontro, um agrupado, que valora uma coisa perigosa: a perpetuação do mais do mesmo, a manutenção do status quo, da ordem vigente e do gosto das falsas elites.
Nestes contextos de tradição hegemônica no tocante aos modos de expressar e ser corpo no mundo é comum observar uma aura de pureza que tende a dizer sobre a essência do que pode ser e o que não pode ser uma vida em dança. | Octavio Paz |
QUE PERIGO!
Se tivermos o poder de legitimar quais danças devem existir e quais danças não podem existir, estaremos pondo em vigor uma coisa um tanto espinhosa: a força da morte, do apagamento, da necropolítica acerca de modos de fazer em dança. | Achille Mbembe |
O poder de escolher QUE COISA DEVE VIVER E QUE COISA DEVE MORRER pode parecer demasiado dramático, mas quem vive sob tal pressão, essa mesma que apaga as luzes de nossas existências e impede a nossa estadia em longa duração dentro dos alegres contextos da dança, sabe que esta força ainda compõe a realidade de muitos encontros artísticos. | Michel Foucault; Espinosa |
Pedirei licença para seguirmos o passeio neste texto junto às percepções dadas nos parágrafos anteriores. Preciso disso para seguirmos, pois a nossa conversa não é uma fala onde a figura explicadora profere uma verdade perante uma audiência e ficamos por isso mesmo, mas é importante acreditarmos (ao menos como um exercício) que nossa fala vai se fazendo somente ao ser dita, escrita, que nosso pensamento se faz aqui, no cá entre nós. | Heinrich von Kleist |
Então, digamos que fiquemos com estes parágrafos… O que faremos?
É aqui que precisamos nos dispor a um pequeno, mas complexo, exercício de adentrarmos os contextos de dança, não de modo passivo quanto à fruição estética da produção artística desses ambientes, mas de fluir criticamente desde dentro destes encontros/mostras/festivais. Isto significa refletir sobre o entorno e as escolhas que fazem os contextos em dança existirem.
Não há um antídoto que garanta, com total eficácia, que não cairemos no delírio infinito da INCAPACIDADE DE PERCEBER QUANDO EMERGE UMA DANÇA CONTEMPORÂNEA e suas vidas menores. Mas precisamos tentar. | Erin Manning |
PRECISAMOS NOS PUXAR PARA PERTO, SER TESTEMUNHAS DE DANÇAS QUE NASCEM, DANÇAS QUE ASSEGURAM AS DIFERENÇAS QUE GERAM DIFERENÇAS, DANÇAS EM DEVIR, ASSEGURAR A MANUTENÇÃO DO DEVIR DANÇA. | Tereza Rocha; David Lapoujade; Helena Katz |
Este texto é um convite para repensarmos nossas posições dentro dos contextos de dança. Uma tentativa qualquer de sensibilizar as pessoas atravessadas pela dança para incliná-las ao testemunho de outras danças, para que possam existir outras estórias da dança, para que possam existir justo outras danças.
A minha proposição é que possamos nos alinhar à ideia de EIXOS CURATORIAIS OU EIXOS DE CURADORIA OU QUALQUER OUTRO NOME QUE NOS COLOQUE EM UM AMBIENTE COMUM DE CRITICIDADE QUANTO À PRODUÇÃO DE ARTE, para que jamais as escolhas se organizem em torno dos gostos/interesses pessoais, mas que seja um exercício de solidariedade ao TEMA norteador do ENCONTRO, do chão comum que se dá em gerúndio. | Jacques Rancière |
Um convite à criticidade e à hombridade, porque só conseguiremos nutrir a diversidade, que é o DNA do mundo, se tivermos a decência de nos mantermos em deslocamento e jamais inteiramente satisfeitos com a realidade que nos é posta. Aliás, nenhuma realidade é posta, sempre está em condição de sofrer alterações em maior ou menor grau, o mundo é inacabado, o elaboramos o tempo inteiro. |António Damásio; Christine Greiner; Mario Novello |
Este é um problema urgente, pois desassistidos, os artistas não hegemônicos, nós mesmos os que ainda somos fora da curva, tateamos os contextos de dança sem entender como adentrá-los. Ora, não existe devolutiva, ninguém te envia um e-mail com algum tipo de parecer ou justificativa. Sim, reclamamos o direito de JUSTIFICATIVAS! E não nos enganemos, isso não é um favor, é cuidado. E se não houver cuidado, por quanto tempo essas vidas que dependem diretamente desses contextos irão sobreviver?
E por falar em cuidado, eis aqui uma palavra que pode nos servir de guião na experiência deste texto e no corre da vida: CURARE. Isso mesmo, curare, em sua etimologia, significa CUIDAR. Proponho, então, ainda mais urgência para a atuação deste radical, ou melhor, proponho uma radical ação para o ato que a família desta palavra evoca: proponho CURADORIAs de dança. Proponho atenção ao ato deliberado e responsável das escolhas de nossos curadores, que entendamos a curadoria como algo que abre janelas de percepção e que o curador é a figura que pode/deve abrir espaço para outros e sempre outros pontos de vida | Kil Abreu; Sônia Sobral |
Penso que é isso. Seria de bom tom garantir que a Falta de Eixos Curatoriais desaparecesse para que mais vidas pudessem ser assistidas em chão de igualdade quanto às oportunidades que quase saltam como pipocas.
O perigo do não agir se explicita aqui, no parágrafo criado para que não nos esqueçamos do modo COMO age a força conservadora nos contextos de escolha das danças.
PARA LEMBRAR COMO AGEM OS CARAS DE PANQUEQUE
· Operam sob máscaras empanquecadas (quanto mais branco, melhor).
· Usam rouge para disfarçar a cara de morte e trazer uma falsa ideia de vigor.
· Com um lápis em punho desenham então grains de beauté, a pintinha preta, a porcentagem das danças menores para deixar a coisa mais natural, ou próxima da vida.
Se não há cuidado e manutenção da vida, nos restará a sensação devastadora de jamais chegarmos ao que deveria ser o nosso piso. Perderemos a chance de sonharmos juntes, danças contemporâneas. |Sidarta Ribeiro|
Precisamos, com a devida emergência, perceber o óbvio:
AS MENORES VIDAS DANÇADAS!
*As palavras localizadas dentro de barras || indicam vozes referenciais que me ajudam na elaboração do pensamento desenvolvido durante o texto, uma tentativa de mapear, fora da lógica acadêmica, a constelação genealógica dos saberes aqui postos em relevo.
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