Um palco sobre as águas na Amazônia paraense

Crédito das Fotos: Waldete Brito. Foto Manoel Pantoja

A coreógrafa Waldete Brito fala sobre sua trajetória de 25 anos à frente da Cia. Experimental de Dança

Neste texto me distancio um pouco do meu diálogo principal, o audiovisual e a dança, para falar sobre o trabalho da coreógrafa paraense Waldete Brito. Há 25 anos, a artista pilota a sua Cia. Experimental de Dança, um núcleo de pesquisa que ao longo dos anos já levou à cena 19 espetáculos, sendo dois deles em formato de videodança.

Tive dois contatos recentes com a coreógrafa em seus espaços cênicos. primeiro ao longo de seu XI Encontro Contemporâneo de Dança – ECD, em outubro, na sede da Cia em Belém e o segundo, em dezembro, no Espaço Oryba este criado em 2021, próximo ao furo da Paciência, na Ilha do Combu, um verdadeiro palco sobre o rio e o mangue.

No XI ECD participei das atividades na sede da Cia., uma como aluna da oficina de videodança com o carioca Michel Schetter e como plateia da performance “Prática de Coreografia”, do artista português, João dos Santos Martins e a obra paraense “Corpos D´Agua”, do Coletive Um de Nós, com destaque especial a Rosângela Colares, concebida a partir de suas raízes amazônicas aquáticas, uma quase oração de espetáculo, com direito a um perfume de “banho de cheiro”, um preparado com ervas tradicionais da Amazônia que exala um perfume peculiar.

O Encontro tem como característica ser independente, e é realizado para que as cias. – especialmente as paraenses –, circulem seus espetáculos, sem caráter competitivo, pelos espaços cênicos que Waldete administra.

No Oryba, por exemplo, Waldete organiza residências e imersões de criação em dança. “Em 2022, pela primeira vez em 11 anos, recebemos um artista internacional para conduzir a imersão. João Paulo, ministrou aula de dança durante três dias, explorando o ambiente natural, entrando e saindo do rio de água doce, fazendo trilhas, subindo nos açaizeiros, ou seja, buscando outros contatos entre corpo-arte e floresta”. O acesso ao Oryba é feito por meio de barquinhos que nós, da Amazônia, chamamos de popopô ou lanchas do tipo voadeiras, atendem a curta viagem de 15 minutos de Belém até às regiões das ilhas.

Para as residências, o ideal é chegar ao local e se hospedar lá mesmo, Oryba é um espaço amplo, onde é possível pousar nos chalés criados por Waldete e seu irmão Walter, se banhar no rio, lavar a louça com a com a água recolhida da chuva, esta que cai todos os dias no ecossistema de clima Equatorial amazônico, de forma mais ou menos caudalosa. A alimentação também pode ser combinada e regada a peixes de rio, caranguejos e açaís frescos que a própria região das ilhas pode proporcionar, e segundo ela o nascer do sol é um espetáculo esplêndido que vale a pena madrugar para apreciar. O Espaço também desenvolve projetos de dança e música para as crianças e adolescentes, moradores ribeirinhos daquela região, um novo passo que certamente celebra 25 anos de (fôlego) resistência do fazer dança na Amazônia paraense.

Pedi que me explicasse um pouco mais sobre essa experiência recente de coordenar um espaço cênico do outro lado rio. “Nas duas últimas edições do ECD, inserimos na programação a residência artística na Ilha foi um desafio conviver com 11 artistas, com distintas formações durante quatro dias imersos lá. Descobrindo o ato criativo em contato com o rio, mangue, árvores, sol, chuva, vento e o ritmo da maré, marcando a velocidade do tempo”, descreve Waldete.

Em 2021, a residência teve como resultado a produção do espetáculo “Encantados” dirigido pela artista Ana Mundim, da Universidade Federal do Ceará, e gerou um documentário sobre os processos de aula e criação, o qual foi editado por Michel Schettert. Acesso aqui: https://youtu.be/WIYAYp7XYak

Para caber a conversa longa que tivemos em ocasiões diferentes, organizo aqui seus depoimentos, afinal, além do Oryba, há a trajetória que a fez chegar hoje nesse espaço cênico no meio da floresta.

Waldete Brito. Crédito: Manoel Pantoja. Espetáculo só um solo

VH – Além das residências, me conta um pouco sobre a atuação social com os moradores das ilhas.

WB – A vontade de termos um espaço para arte e cultura na Ilha do Combu, surgiu no meio da pandemia mais, especificamente, em 2021, quando aprovamos o projeto Dança Floresta na Lei Aldir Blanc. Então, atravessamos para o outro lado da cidade de Belém, para a ilha, no meio do rio, do mangue, da floresta e em contato com o cotidiano de ribeirinhos (as) que lá residem, fomos provocados (as) e convidados a nos reconectarmos com a natureza. Durante quatro meses vivenciamos a ilha e, entre a pesquisa e a oferta de oficinas de música, dança, bordados, artesanatos e assessórios, para a comunidade, paralelamente, investigamos outros modos de mover o corpo no tempo e espaço, em total diálogo com a natureza. O Oryba é um espaço que tem como objetivo levar a arte e acultura para quem não tem acesso, promovendo oficinas para a comunidade que vive sobre o rio, ouvindo suas demandas e, quem sabe contribuir com a formação das crianças e jovens.

Em 2021 e 2022, o Oryba recebeu a programação do projeto Dança Em Trânsito, em sua 19º e 20º edição, sob a coordenação da bailarina e coreógrafa Giselle Tápias- RJ. Nesta programação a comunidade ribeirinha assistiu grupos de dança do Brasil e Europa, entre eles, Grupo Tápias, Camaleão Cia. de Dança, Iron Skil etc. Entre agosto e outubro de 2022, oferecemos os cursos de Música – Canto coral e Danças Regionais, com a participação de 25 alunos, moradores da ilha, que ao término do curso apresentaram o resultado cênico no Espaço Oryba. A maioria, pela primeira vez em cena. Foi um momento ímpar em que a comunidade se organizou para prestigiar o evento e, foi notável o desenvolvimento técnico vocal na música e o aspecto técnico na dança.

Aos poucos a comunidade ribeirinha vai recebendo e participando dos projetos realizados, afinal, este movimento artístico com maior frequência ainda é muito novo. Então, estamos no início desse namoro entre artistas e ribeirinhos, processos e produtos. É fato, que quando ocorre a oferta de cursos, há uma demanda, e isso nos faz avançar em busca de novas propostas e parcerias com distintos artistas, com o objetivo de democratizar o ensino, a pesquisa e a produção artística. 


VHAgora, além do Oryba tu estás prestes a completar 25 anos de atuação, me descreva sobre o teu trabalho de pesquisa com a companhia.

WB – A Cia. Experimental de Dança Waldete Brito foi criada em 1998. Somos um núcleo de pesquisadores (a) da cena contemporânea, a Improvisação é o nosso principal caminho de criação para articular diferentes dramaturgias concebidas para espaços alternativos ou convencionais (teatro).

A concepção emerge do processo colaborativo com todos os integrantes da companhia, que neste momento é composta por sete intérpretes-criadores e mais uma diretora artística. Em geral, levamos cerca de cinco meses a um ano para a concepção de nova poética, estudamos juntos (as) cada etapa da investigação para materializar a estética compositiva. A companhia tem uma rotina de aula e, mesmo quando não está pesquisando novo espetáculo se mantém focada na sua manutenção técnica com aulas de dança contemporânea, educação somática, improvisação e mais recentemente aula de pilates.  


VH – Como é dirigir uma das principais companhias de dança contemporânea do Pará ao longo desses anos? (uma ação de resistência, certamente).

Sim, sem dúvida manter uma companhia de dança independente que chega a marca de 25 anos de existência é, também, uma ação de insistência e resistência para se manter na cena local e nacional. Ganhamos alguns editais de circulação quando existia o Edital Klauss Vianna – FUNARTE, o que nos possibilitou circular por São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia e pelos municípios do Pará, Marituba,  Soure (na Ilha do Marajó) e Ananindeua. A companhia também foi selecionada no projeto Sesc Amazônia das Artes, e podemos circular por 10 cidades da Região Norte. Nossa ideia é não ficar muito tempo fora da cena e, em geral, voltamos à cena com espetáculos que já fazem parte de nosso repertório, ou com alguma nova proposta. Um outro dado relevante neste percurso é que o elenco não tem muita rotatividade e, na função de diretora e dramaturga, gosto de trabalhar com um elenco permanente, que frequentemente, faz aula e pesquisa.

Além de gestora da dança, artista da dança, coreógrafa e professora de pilates, Waldete é professora da graduação e pós-graduação de dança na Universidade Federal do Pará. Te convido leitor (a) por meio deste texto, a saber mais sobre ela e o todo o caudaloso rio de dança que a Amazônia paraense pode te mostrar. Visite a dança paraense 😉

Para acompanhar o trabalho da Cia. Experimental de Dança Waldete Brito e as movimentações do Espaço Oryba, siga: @ciaexperimentalwb e @espacooryba

        

Glossário:

Ilha do Combu: É a maior Ilha do sul do município de Belém, desde 1997, configura uma unidade de Conservação caracterizada como APA – Área de Proteção Ambiental, na lei nº 6.083, com a finalidade de proteger o ambiente e conter a derrubada de palmeiras de açaí, para extração de palmito. Acesso: http://www.belem.pa.gov.br/ver-belem/detalhe.php?p=193&i=1

Furo da Paciência: os furos são espaços navegáveis que ligam dois ou mais rios, neste caso o Furo da Paciência é o local onde se acessa o Oryba, este que fica sobre o Rio Benedito.

Popopô: Um pequeno barco de madeira, chamado de popopô pelos ribeirinhos amazônidas devido o barulho peculiar de seu motor.

*Este texto é de responsabilidade do autor e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.

Vanessa Hassegawa

Vanessa Hassegawa

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Pesquisadora de dança da Amazônia paraense, curadora, artista do campo da videodança|dança para a tela e relações públicas atuante. É mestranda em Artes da Cena pela Unicamp, onde investiga as relações das danças contemporâneas produzidas para as mídias “da palma da mão”. Estudou na Escola do Teatro Bolshoi no Brasil, é uma das idealizadoras da mostra Prosa, Vídeo e Dança, do qual acumula o acervo de cerca de 100 videodanças curadas, provenientes de vários países do mundo. É sócia do Coletivo Las Caboclas de videodança tendo produções que circularam por festivais de dança e vídeo nas cinco regiões do Brasil e países como Nova Zelândia, Espanha, Portugal, México, Argentina, Chile e Bolívia. Entre as realizações mais recentes está a codireção da videodança Qual pele me Reveste?, feita sob o aval da Oficinas Oswald de Andrade, de São Paulo, a obra produzida sem interação física com 13 artistas-mulheres de diversas regiões do país e também foi cocuradora da mostra Danças para Todas as Telas, para a Bienal Sesc de Dança 2021.