Crédito das Fotos: Rainer dando aula no Centro de Estudos do Movimento e Artes – Espaço Novo, em 1984 | foto: Ricardo Azoury/acervo família Vianna
Por Neide Neves.
“O Homem é uno em sua expressão: não é o espírito que se inquieta nem o corpo que se contrai – é a pessoa inteira que se exprime” Klauss Vianna
Esta pesquisa propõe repensar, à luz de algumas vertentes da ciência contemporânea, alguns tópicos desenvolvidos no trabalho do pesquisador do movimento humano Klauss Vianna.
Bailarino, coreógrafo, preparador e diretor corporal de atores, filósofo da dança – como brincava – e, sobretudo, pesquisador e professor, Klauss desenvolveu um trabalho de movimento que atualmente é conhecido como Técnica Klauss Vianna. Atuou desde os anos 40, quando iniciou sua carreira no balé clássico. Seu trabalho foi muito conhecido e valorizado nos anos 70 e 80. Marcou fortemente o trabalho de muitos atores e bailarinos, como Marília Pera, Marco Nanini, Zélia Monteiro, Duda Costilles, Mariana Muniz, Carlos Martins e Ana Terra, entre muitos outros. Foi, junto com Angel Vianna, sua esposa, o introdutor da “preparação corporal do ator”, no Brasil.
Angel Vianna, professora, bailarina, coreógrafa e preparadora corporal de atores, foi companheira de Klauss desde os anos de formação com o professor Carlos Leite, em Belo Horizonte. Juntos criaram o Balé Klauss Vianna, onde deram início à pesquisa e montaram as primeiras coreografias. Estudaram e ensinaram juntos. Na atualidade, Angel dirige uma escola que abriga um curso profissionalizante em dança e recuperação motora e a Escola e Faculdade de Dança Angel Vianna, no Rio de Janeiro.
Dezesseis anos após a morte de Klauss, podemos ver traços de sua obra em evolução. Muitos intérpretes nas áreas de dança e teatro têm no corpo as instruções assimiladas em anos de trabalho com Klauss. Estes e outros mesclam em seu trabalho de criação e nas experiências educacionais alguns dos conceitos aprendidos. Outros ainda continuam a pesquisar e a aprofundar estes mesmos conceitos. Monografias, artigos e dissertações (e.g.: Santos 1994, Queiroz 2001, Pedroso 2000, Alvarenga 2002, Tavares 2002, Neves 2003, Braz 2004, Miller 2005) têm sido escritos sobre este pesquisador, que desenvolveu um trabalho amparado em corpos brasileiros e suas questões específicas e pesquisado a partir de sua experiência com a dança clássica e de estudos de anatomia e cinesiologia.
Toda a discussão retomada, atualmente, em torno de seu trabalho tem uma razão. Klauss foi, enquanto pessoa e profissional, um instigador de mudanças. Acreditava no desenvolvimento de cada um, com disciplina e liberdade. Relacionava o desenvolvimento pessoal ao profissional. Deixou-nos um material muito rico, muito bem aceito, mas com pouca conceituação teórica e, portanto, com potencial para ser aprofundado e desenvolvido. Estas sementes germinam por toda parte onde ele tocou as pessoas.
Depois de 23 anos de trabalho com esta Técnica, a partir do caminho aberto por Klauss, sinto necessidade do mergulho para rever algumas questões fundamentais da prática e seguir adiante. Rever, repensar a partir de novas informações, encontrar explicações para o que nasceu de muito estudo e da intuição e encontrar caminhos para investigação a partir das recontextualizações decorrentes dos novos estudos do corpo.
Minha formação corporal foi construída na técnica de Klauss, com seu filho Rainer Vianna e também com Angel. Com Klauss estudei em cursos breves e, informalmente, em casa. Fiz assistência em workshops que ministrou, nos últimos anos de sua vida. Quando conheci este trabalho, vinha de outras breves experiências com dança. Senti que ali estava algo que sempre havia buscado, que me dava parâmetros claros, mas não rígidos, para lidar com meu corpo e me expressar. Compreendi que a dança estava no modo como meu corpo organizava as informações no fluxo com o ambiente e não em passos aos quais deveria me adaptar. Desde 1983, trabalho com a Técnica em cursos para bailarinos, atores e profissionais de outras áreas, em preparação corporal de atores e como bailarina. Com Rainer, desenvolvi a estruturação didática da técnica, na segunda metade da década de 80 e início de 90.
Após o falecimento de Klauss e de Rainer, segui meu trabalho sozinha e, hoje, tendo retomado contato com pessoas envolvidas com a Técnica ( Beth Bastos, Duda Costilles, João de Bruçó, Jussara Miller, Luzia Carion Braz, Marinês Calori, Valéria Cano Bravi, Zélia Monteiro, entre outros), sinto a força que ela tem em nós e para nós e concluo que, se acreditamos tanto neste trabalho, é fundamental que cuidemos de seu desenvolvimento.
Este estudo é uma das contribuições que posso dar neste sentido. Pois, ao longo do tempo, algumas questões foram se colocando e exigindo respostas como condição de continuidade e aprofundamento da prática.
Uma leitura do pensamento de Klauss Vianna
Klauss era veemente ao defender o que fazia como um “trabalho aberto”, a ser desenvolvido no corpo daqueles que o levavam para a vida e para a arte. Não pretendia criar uma técnica fechada1. Se dizia “parteiro” das possibilidades do aluno. Aquele que propicia, dá ferramentas para que o outro desenvolva aquilo cujas possibilidades já traz em si. Parece que ele intuía que manter o trabalho aberto é o que permitiria a permanência das suas idéias. De certa maneira, é o que acontece. Não há um modelo Klauss Vianna, uma estética determinada a priori, mas há corpos pensantes descobrindo sempre mais, a partir dos princípios desenvolvidos por ele. O movimento destes corpos, apesar de mostrar uma unidade técnica, guarda a sua individualidade.
“O que importa é lançar as sementes no corpo de cada um, abrir espaço na mente e nos músculos. E esperar que as respostas surjam. Ou não” (Vianna, 1990: 131).
No seu trabalho, a percepção, a prontidão ou consciência enquanto awareness2 (estado de alerta) do corpo e de seus movimentos é vista como condição fundamental para a expressão.
“A inconsciência é que gera a mediocridade” … (Vianna, 2005:35) …”tenho que estar com os sentidos alerta. Senão minha dança se torna pura ginástica” (Vianna, 2005:36).
Buscava movimentos com as características do novo, pleno de vida. Expressão de cada corpo, num determinado momento; dos recursos e da história deste corpo e não a repetição ou execução desatenta, que ele identificava como forma desprovida de verdade e vida. Devido a esta busca, chegou a utilizar a improvisação em cena, nos últimos anos de sua vida.
“Quando uma técnica artística não tem um sentido utilitário, se não me amadurece nem me faz crescer, …se não facilita meu caminho em direção ao auto-conhecimento – então não faço arte, mas apenas um arremedo de arte. … Conheço apenas a forma3, que é fria, estática e repetitiva e nunca me aventuro na grande viagem do movimento, que é vida e sempre tenta nos tirar do ciclo neurótico da repetição” (Vianna, 2005:72).
“…a forma que, quando preconcebida, é morta, estática, acomodada e impede o aprendizado, o aperfeiçoamento e a criação de novos gestos” (Vianna, 2005:105).
Ao longo do tempo, Klauss desenvolveu instruções para o desbloqueio das tensões musculares e articulares, que permitem colocar o corpo-mente em um estado de maior disponibilidade para o uso dos recursos de cada indivíduo. Ao mesmo tempo, as instruções trabalhadas para o desbloqueio também são utilizadas para provocar e servir de caminho para a criação de movimentos. Os recursos técnicos não estão em função de uma determinada estética, mas a serviço da expressão de cada corpo.
Alguns princípios sobre os quais estão baseadas as instruções podem ser enunciados desta maneira:
– Auto-conhecimento e auto-domínio são necessários para a expressão pelo movimento
– Sem atenção não há possibilidade de auto-conhecimento e expressão
– É preciso buscar estímulos que gerem conflitos e novas musculaturas, para acessar o novo
– Das oposições nasce o movimento
– A repetição deve ser consciente e sensível
– A dança está dentro de cada um
– O que importa não é decorar passos, formas, mas aprender caminhos para a criação de movimentos
-Dança é vida
* Texto originalmente publicado no livro “Klauss Vianna – estudos para uma dramaturgia corporal. Editora Summus, 2008.
1 Klauss era arisco ao termo “técnica”, talvez porque o interpretasse como sinônimo de “vocabulário fechado”, com regras rígidas e fixas.
2 Awareness: palavra inglesa que significa consciência enquanto prontidão. Diferentemente de conciousness, é a experiência física, que lida com conteúdos diretamente acessíveis; um estágio indispensável ao corpo para lidar com a informação. A conciousness é o saber da awareness. Sobre a questão da consciência em Klauss Vianna, ler a dissertação de mestrado de Clélia Queiroz, Cartilha Desarrumada, 2001(ver Bibliografia).
3 Klauss reconhecia dois tipos de forma: aquela preconcebida, estática, repetitiva que é o oposto do movimento, que é vivo; e aquela que é fruto do auto-conhecimento e dos espaços internos, que é viva, expressiva, que é o próprio movimento.
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