Crédito das Fotos: Cláudio Gimenez
Como profissional de artes cênicas, aos sete anos comecei os meus estudos em dança clássica, no Recife, Pernambuco. Mas, quando conheci Klauss (1928 -1992) e Angel Vianna (1928), mestres e introdutores da expressão corporal em nosso país, quinze anos depois, todo meu aprendizado foi reconfigurado por novas percepções, questionamentos e vivências.
Os estudos de dança clássica, feitos por um viés, que incluía a anatomia humana, a expressão corporal, e uma teatralidade que desconhecia, aguçou os meus sentidos, e me fez rever os aprendizados feitos, até então.
Dentre as mudanças, advindas desse encontro fundamental na minha formação artística, está o entendimento de que todas as formas de atuação cênica requerem do ator e do dançarino, ou do dançarino-ator, e vice-versa, uma atenção especial para as sensações do corpo, esteja ele parado ou em movimento. Também advieram desse encontro a constatação e confirmação de que este aprendizado não tem fim, porque ele se renova a cada novo desafio, em cena ou em sala de aula, como aluna e/ ou professora.
Um pouco de história
Desde o final do século XIX, muitos trabalhos foram desenvolvidos por artistas pioneiros, no trabalho com o corpo, cujo olhar se voltou para questões relativas à percepção interna do corpo – sua propriocepção ou cinestesia. Esses artistas, motivados por problemas pessoais de saúde, criaram técnicas para ajudar as pessoas, artistas ou não, na prevenção e recuperação de traumas psicofísicos.
O campo de estudos teórico-prático que reúne essas diferentes técnicas ou métodos de trabalho corporal ficou conhecido como educação somática*.
Este termo designa práticas corporais como a Técnica Alexander, Método Feldenkrais, Bartenieff, a Idiokinesis, o Body-Mind Centering, o Método das Cadeias Musculares e articulares G.D.S., e a Eutonia, dentre outras.
O eixo de pesquisa e experimentações desses métodos pode ser considerado, genericamente falando, como o movimento do corpo no espaço, visto como um meio de transformação de desequilíbrios que podem envolver fatores, mecânicos, fisiológicos, neurológicos, cognitivos, afetivos e até, espirituais.
Klaus e Angel Vianna, o casal que mudou o rumo dos estudos de dança e movimento em nosso país, sofreu profunda influência dos estudos somáticos, feitos no início do século XX, especialmente, da Eutonia.
Eutonia
A Eutonia é uma criação de Gerda Alexander (1908-1994), alemã, que em 1993 radicou-se em Copenhague, onde iniciou seus primeiros trabalhos. A partir da sua experiência pessoal, Gerda criou um trabalho que tem como objetivo principal, segundo suas próprias palavras, o desenvolvimento de uma tonicidade harmoniosamente equilibrada e em constante adaptação ao estado ou atividade do momento.
Gerda, em sua adolescência, foi diagnosticada com um problema sério de saúde, a endocardite, que lhe impediria de fazer movimentos e lhe diminuiria o tempo de vida, de forma dramática.
Desde cedo, envolvida em trabalhos de movimento e música, Gerda conseguiu, com muita vontade e curiosidade pelo seu destino invulgar, modificar a perspectiva dramática de sua vida, ao começar a se observar, e aos outros, em movimento. Ficou impressionada pelas diferenças em sua postura e capacidade de se mover, ao simplesmente fazer contato com imagens de movimento, por exemplo. Ela dizia que sua mãe, olhando fotos de ginastas, havia descoberto, quarenta anos antes dela, que a simples intenção de realizar um movimento produz uma ativação da circulação e mudanças de tônus que correspondem à ação real, recurso este, hoje, muito utilizado na Eutonia.
Numa trajetória marcada por percepções muito sutis sobre si mesma, em movimento e em contato com os outros, Gerda Alexander ampliou o conceito de tônus, ao envolver, não apenas o corpo, mas também, a vida mental, afetiva e social.
Para a Eutonia, cada um dos tecidos do nosso corpo deveria estar pulsando, fluindo e dançando, num espaço permeável e adaptável aos diferentes momentos que nos cabe viver.
Na verdade, esse fato é considerado a base da saúde, e sua vivência demanda um trabalho intenso e prazeroso de conscientização das nossas capacidades psicofísicas individuais.
São muitos os instrumentais desenvolvidos pelas descobertas individuais de Gerda Alexander, sendo talvez o principal, a senso percepção da estrutura óssea. Normalmente associados com morte e desintegração, na Eutonia, os ossos são a fonte fundamental de energia necessária para que o movimento seja econômico, e a forma deles determina sua função. A experimentação prática da sensação do tamanho, forma, estrutura, posição e direções que os ossos ocupam no espaço interno do nosso organismo, além da vivência da realidade concreta da estrutura óssea, que nos dá forma, é algo extremamente mobilizador e integrador.
A consciência da estrutura óssea é um dos trabalhos mais originais que a Eutonia produziu. (Berta Vishnivetz, 1995).
Quando eu tive a sensação da minha pele e dos meus ossos pela primeira vez, entrei num estado de espanto e de alegria especiais. Meu modo de atuar e de ensinar se modificaram e, ainda hoje, se transformam, devido a estas percepções.
Comecei a me mover com mais economia de esforço, e pude, dentre outras habilidades, ter a sensação amplificada da suavidade dos movimentos, no exercício do Tai Chi Chuan, em 24 movimentos.
Gerda Alexander dizia: Todo artista deveria estar sempre em movimento, em formação, com possibilidades de continuar desenvolvendo-se.
* O termo somática se origina da palavra grega soma, que significa corpo vivo. Thomas Hanna, (1979), define assim a educação somática: “a arte e a ciência de um processo relacional interno entre a consciência, o biológico e o meio ambiente, estes três fatores sendo vistos como um todo agindo em sinergia (1983:1)”.
Referência bibliográfica:
Alexander, Gerda. Eutonia- um caminho para a percepção corporal. São Paulo, Martins Fontes,1983.
Hemsy de Gainza, Violeta. Conversas com Gerda Alexander: vida e pensamento da criadora da Eutonia. Summus Editorial, São Paulo: 1997.
Fortin, Sylvie. Cadernos do JIPE-CIT, Salvador, nº 2,P.40-55,FEV.1999.
Vishinivetz, Berta – Eutonia Educação do corpo para o ser, Summus Editorial, 1995.
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