Como trabalhar a poética da dança com crianças cegas? Como utilizar o imaginário a favor dos sentidos? Uxa Xavier pondera que o projeto proporcionou às crianças do Instituto de Cegos Padre Chico o entendimento que “(…) o corpo não é só algo que os leva de um lugar para o outro, mas também um espaço de sensações, percepções e memórias”.
Com bases em dados do IBGE (2014), o Conselho Brasileiro de Oftalmologia estima que haja hoje no país entre 24 mil e 29 mil crianças com cegueira total (“As Condições da Saúde Ocular no Brasil”, 2015), sendo que 70 mil alunos da rede escolar brasileira têm algum tipo de deficiência visual (Inep/MEC, 2013).
O Instituto de Cegos Padre Chico atua na educação de uma parcela dessas crianças nas áreas da educação infantil e no ensino fundamental com o objetivo de conferir autonomia e prepará-las para os desafios que se seguirão na vida adulta. Desde 2008, ele tem se aberto a uma perspectiva mais inclusiva, aceitando também como alunos crianças com baixa visão, com alguma outra deficiência associada à visual e, ainda, sem deficiência.
Foi esse público que o grupo de dança Lagartixa da Janela encontrou quando iniciou o projeto “A Poética dos Encontros” ali. O Instituto já tem um forte trabalho extracurricular voltado à musicalização, mas a dança surgiu naquele espaço como algo completamente novo, que possibilitou uma série de revelações sobre o próprio corpo das crianças, sendo que algumas com baixa visão, outras cegueira total e algumas videntes.
“Cada momento era uma descoberta. Começamos com exercícios de toque e manobras e, logo no primeiro dia, um menino começou a apalpar a perna e perguntou: ‘O que é isso? ’ Respondemos que era o tornozelo. Daí ele perguntou: ‘O que é tornozelo? ’ Essa parte do corpo nunca havia sido nomeada para ele! ”, lembra Uxa.
A mãe de Arthur, um dos garotos participantes, elogia o caráter de integração que a iniciativa trouxe à turma. “O projeto também teve a participação de crianças com mobilidade extremamente reduzida e foi bom ver as outras crianças com elas. Acaba que todo mundo participa. As crianças ficam numa redoma aqui dentro, e trazer esse universo do faz de conta, que muitas vezes fica tão esquecido, também traz para nós adultos essa coisa da infância e da inocência”, diz ela.
Ao apostar na potência do imaginário, a ação ajudou as crianças a desenvolverem outras percepções de seu mundo. “Foi interessante vê-los entender que o corpo não é só algo que os leva de um lugar para o outro, mas também um espaço de sensações, percepções e memórias”, diz Uxa.
Foi o que aconteceu, por exemplo, quando um menino cego propôs que todos brincassem de “Batatinha Frita, Um, Dois, Três”. Ele apontava e falava: você mexeu! De algum jeito, ele percebeu isso, e jogamos até todos cansarem. Foi uma lição do quanto essas regras podem ser subvertidas pelo imaginário. Esse é um corpo tão inteligente, poroso e aberto como todos os outros. O que muda é apenas a forma como se cuida e se trata dele”, conclui a artista e pedagoga.
Visite a exposição virtual “A poética dos encontros” – desenvolvida pelo MUD – Museu da Dança juntamente com o grupo Lagartixa na Janela – e veja o resultado da ação desenvolvida com as crianças do curso livre da Escola de Dança de São Paulo e as crianças do Instituto de Cegos Padre Chico, deficientes visuais em sua grande maioria.
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