Construção de novos paradigmas de corpo e dança a partir da presença tecnológica e virtual como possibilidade

Crédito das Fotos: Paula Gorini, A Rede da Dança: uma cartografia em movimento. Rio de Janeiro, 2012

A realidade virtual está cada vez mais presente no cotidiano da sociedade pós-moderna, seja por meio de smartphones, smart tv, computadores, estando sempre conectados à internet. Na era da cibercultura é possível participar de redes sociais por meio de páginas pessoais, games, aplicativos os mais diversos, que se utilizam das mais diferentes plataformas e ferramentas interativas, resultando no desenvolvimento de interfaces intuitivas e naturais para o corpo.

O metaverso é uma terminologia usada para indicar o universo virtual, que tenta replicar a realidade por meio de dispositivos digitais sejam de imersão, ou não. No contexto da arte digital as informações são exibidas por meio de mídias digitais ou uma combinação de componentes digitais e físicos. Assim, o arquétipo virtual é um objeto que soma os conteúdos digitais a serem comunicados. Nesse arquipélago de informações digitais é possível estabelecer uma rede de conexões proporcionando uma multiplicidade telúrica com o ambiente, corpo e cultura.

No cenário atual a presença de paradigmas onde se utilizam ferramentas virtuais, vem para estimular o desenvolvimento de novas habilidades sensoriais, corporais, cognitivas, criativas e técnicas. Grande parte da sociedade contemporânea convive simultaneamente com o presencial e o virtual. Ambos têm o corpo físico como mediador tanto diretamente no plano tangível quanto permeado por avatares no plano virtual. Vislumbrando esses paradigmas, é possível nutrir um território de passagens, paisagens e entrelaçamentos com a dança no tempo presencial e virtual.

Vale a pena ressaltar, que a dança e a tecnologia se interagem há muito tempo. Tendo como pioneiro o coreógrafo da década de 70, Merce Cunnigham (1919) e o seu parceiro e compositor musical John Cage (1912). Os mesmos exploraram a criação da dança aplicada a músicas e imagens eletrônicas para o vídeo e cinema, com o uso de computadores. A propósito, foi essa confluência entre as linguagens artísticas da dança e da tecnologia, que impulsionaram o desabrochar de uma forma inovadora de se realizar, ver e também permitir uma comunicação entre ambas. Passa-se então por dança e vídeo, dança e computador, instalação de dança, cenários e figurinos virtuais, essas expansões artísticas e múltiplas são vivenciadas de maneira presencial em espetáculo e ou performances.

Na indústria dos vídeo games a dança e a tecnologia se entrelaçaram nos anos 2000. O sucesso obtidos por consoles, entre o Wii, da Nintendo, contava com acelerômetro capaz de detectar movimentos em três dimensões. Isso, proporcionou diversos jogos para esta plataforma.

Hoje, jogos como o Just Dance, da francesa Ubisoft, são tão populares que possuem até um campeonato mundial, com diversas etapas. No ano de 2019, as finais ocorreram em São Paulo.

Quando se trata de técnica e aprendizado na dança, o desenvolvimento tecnológico se torna cada vez mais uma realidade presente no cotidiano.  Empresas pioneiras como a  Dance Designer,conquistaram espaço no mercado oferecendo novas formas de catalogar, documentar e arquivar espetáculos. Sua biblioteca digital armazena movimentos codificados em um programa capaz de selecionar e criar sequências específicas, a partir das coreografias originais.

Já as e-traces, sapatilhas com chip criadas pela designer e bailarina espanhola Lesia Trubat,  registram a pressão e a velocidade dos pés dos bailarinos e transmitem a informação para um aplicativo, via Bluetooth. Os movimentos são analisados e podem ser transformados em gráficos, expressões artísticas ou aplicações práticas para melhora de postura e precisão.

Ao combinar estes e outros dispositivos, como câmeras GoPro e drones, aptos a captar ângulos antes impossíveis de serem alcançados, o universo da dança tem sido capaz de proporcionar experiências cada vez mais impressionantes. Um desafio capaz de estimular não só a capacidade criativa de coreógrafos e performers, como também os olhares do público.

Atualmente, a realidade vivida nesse período pandêmico levou à uma mudança de hábitos, que se estende também na área das artes. Percebe-se que houve uma convergência de produção e criação aplicadas na dança, onde ambientes mais caseiros estão sendo utilizados como espaços didáticos e cênicos. A priori, eram desenvolvidos em espaços pré estabelecidos. Assim sendo, nota-se a importância da utilização mais constantes, de meio digitais e tecnológicos para se atingir tal objetivo.

Na elaboração de uma aula, ou performance em dança, tendo como dispositivos plataformas digitais num ambiente mais doméstico, é imprescindível a correlação com o ambiente e todos os objetos culturais que o compõe. Entende-se por objetos culturais, luminárias, quadros, tapetes, moveis, etc, os quais auxiliam na mesclagem entre ambiente, cultura, criação, corpo e movimento, gerando assim uma complexidade de informações a serem exploradas em cada espaço desse ambiente.

A partir desse campo relacional onde se encontra um espaço cênico doméstico pode ser elencados novos espaços, que corroboram a produção em dança. Tendo essas descobertas muito claras, é possível sentir texturas e estados de corpo os quais fortalecem o surgimento da coreografia em dança. Olhando por este ângulo a dança entrelaçada à tecnologia é capaz de criar conteúdo, estabelecer diálogos, entre o interprete-criador e os telespectadores que estão em outro local. Isso ocorre de uma maneira dinâmica, potente e latente, pois, facilita chegar a comunicação artística ao mesmo tempo em diferentes locais.

Pensando na pluralidade que abrange o espaço, o corpo e as plataformas digitais, é possível apresentar uma dança que se tange as práticas de consciência corporal, respiratória e de movimentos coreográficos no ambiente caseiro. Isso proporciona um processo continuo de escuta, presença e prontidão de movimentos cênicos da dança em dobradiças com esse espaço físico e com o virtual.

Considerando essas perspectivas tecnológicas, devem ocorrer uma percepção de integração dos fluxos contínuos internos e externos do artista da dança, com o ambiente doméstico e seus objetos culturais. Finalmente, pode-se atingir um envolvimento e compartilhamento total para a criação artística, levando em conta a interação com o metaverso da linguagem virtual.

*Este texto é de responsabilidade da autora e não reflete necessariamente a opinião do Portal MUD.

Camila Cres

Camila Cres

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Bailarina formada pela Especial Academia de Ballet de São Paulo. Começou seus estudos na dança aos 5 anos de idade, fazendo aulas de ballet, jazz e sapateado. Graduada em Dança pela Faculdade de Artes do Paraná Curitiba. Especialização em Interpretação em Teatro Musical e mestrado em Artes da Cena, pela Escola Superior de Artes Célia Helena. Fez curso em Londres na Royal Academy of Dance e dançou na Áustria pela cia SIBA. Professora de ballet, jazz e sapateado em escolas de formação e também ministra aulas online de dança.