Crédito das Fotos: Ziriguidum, da Decidedly Jazz Danceworks, em 2015. Foto de Noel Bégin
Esta e outras escritas serão (talvez) algo sobre jazz que você nunca ouviu, que ninguém nunca te contou e que se você dança/estuda jazz e sente o mínimo de curiosidade sobre isso poderão te ajudar em alguns questionamentos acerca de: por que o jazz que dançamos no Brasil se tornou tão diferente do jazz em sua essência? Por que existem tão poucos escritos sobre jazz no Brasil? Por que as pessoas não nos dizem que o jazz é uma dança negra?
Espero que esta e outras escritas sobre jazz possam te dar algo motivador, e que encorajem sua curiosidade. Elas são informações bem preciosas, que obtive na minha jornada em/com jazz, e que precisei me deslocar do país para poder ouvir falar e estudar com mais continuidade. Com sorte, elas te ajudem a não precisar passar pelo mesmo e a gente possa gerar esta e outras questões no Brasil.
Jazz dance: elementos
Gostaria de retornar à atenção de você que está me lendo para aquele texto primeiro, (Link: https://portalmud.com.br/portal/ler/esta-e-outras-escritas-sobre-jazz ) na escrita em inglês. Nele a diretora da Decidedly Jazz Danceworks aponta para cinco características essenciais onde o jazz dance habita profundamente. Eu ousaria dizer que sem elas aquilo que dançamos não seria ‘tão jazz’, mas esse é um devaneio da minha mente e você não precisa concordar com isso.
‘Jazz loves gravity’ aqui tem uma conexão direta com a característica jazzística dos joelhos flexionados. É a presença constante das dobras dos joelhos, aliadas com as dobras dos calcanhares fazendo a pessoa que dança jazz saltar, acelerar os passos de dança, aumentar a chama do corpo na dança, essa é uma característica ancestral. O uso de joelhos dobrados com o corpo próximo à terra e a tendência de usar o pé como um todo, em que o peso é deslocado imediatamente de um pé para o outro. Como acontece fortemente nas danças da swing era[1] e também nas danças africanas ancestrais – algumas delas eu também tive o privilégio de aprender e hoje ensino no projeto de extensão em danças africanas ancestrais, ligado ao Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – NEABI Campus Fortaleza.
‘Jazz use the torso’ que é a fonte interminável do nosso movimento. Vem do centro do peito, o lugar onde se sente, dói, rebenta. É no torso, que também é o centro do nosso corpo, que há a motivação de existir do movimento. Torço é lido por mim como o conjunto existente entre ossos, músculos e articulações que começam no períneo e vão até o topo da cabeça. Eu diria que é aí onde consiste toda a nossa história ancestral, materializada. Por isso o processo civilizatório/colonizatório foi e é tão doloroso no nosso corpo negre. Fomos desacostumades a mexer o nosso tronco e nossos quadris na vida, e não diferentemente na dança – sobretudo com o advento da técnica clássica nas aulas de jazz.
Um outro apontamento vem aqui: O que você pode fazer e com qual intenção que você faz. A motivação de movimento pode até ser a mesma, mas o movimento não precisa ser e vice-versa. Assim, vou me perguntando como resgatar no corpo esse movimento que nos foi e é negado historicamente e cotidianamente, por outro lado como acessar a memória dele haja vista que é um movimento ancestral, que está contido em nós, que é conosco.
‘Jazz needs rhythm’ aqui é intentado na perspectiva de perceber o jazz como o encontro de várias temporalidades. Isto é muito comum na música jazz e não seria diferente com a dança. O movimento é ritmicamente complexo e sincopado. Ele carrega até dois ou três ritmos no corpo ao mesmo tempo – polirritmia. Música e dança estão como uma única expressão, onde um está alimentando o outro. A diálogo entre o corpo que toca e o corpo que dança tende a ser profundo, pesado e antigo/ancestral. Neste momento eu lembro da fala da Vicki sobre entrar num bom pedaço de música jazz, que falei mais acima. É deste tipo de ligação que o jazz trata. E escutar jazz é essencial para o processo.
‘Jazz loves music’ reforça a característica anterior no sentido de estabelecer uma conexão profunda entre o corpo que dança e o corpo que toca. Essa é inclusive uma característica que em nenhuma hipótese deve ser desconsiderada quando estamos falando em improvisar em jazz, ou em qualquer outra dança negra quer seja ancestral, diaspórica e/ou atual.
Essa coisa da música com a dança no jazz é tão louca, potente, forte, que muitas vezes a gente aprende a dançar com a professora/o professor/u professore cantando os passos pra gente, já reparou? Naquela hora em que ela/ele/elu está desenvolvendo um passo e, do nada, sai um ‘xáááááá’ ou um ‘RÁ’ ou mesmo outra expressão que surge espontaneamente. Eu acredito que isto é o jazz conosco nos dizendo direto que a sonoridade também está em nós e que precisamos nos (re)conectar. Aliás, isso acontece em toda dança que é afro diaspórica, em toda dança negra. Penso também que isto tem a ver com o que a Kimberley denomina de cool lá no texto. Aquele mesmo. Falei um pouco sobre o cool jazz no texto (Link: https://portalmud.com.br/portal/ler/outras-escritas-sobre-jazz ).
‘Jazz is personal, it needs to be you’ considera que cada pessoa é singular. Percebe que eu não estou falando de individualidade, é preciso convocar aqui a ideia de singularidade pois é ela que permeia as filosofias africanas cujas quais eu trabalho nas danças negras e no jazz. Trata-se de pessoas com personalidade, inteligência e vida. Você vai sentir isso e pensar esta dança – isto talvez seja um pouco diferente do que eu porque você teve uma experiência diferente da minha, e o jazz prospera nisso. Entender a singularidade agindo simultaneamente com a coletividade. Nós somos orgânicos assim como o jazz e o jazz existe em nós/conosco de uma forma que a gente nem se dá conta. É coração pulsando.
‘Jazz loves to improvise’ neste momento está ligando o corpo como instrumento de trabalho du dançarine de jazz. Você, se está nessa situação, deve saber como tocá-lo, você deve ser capaz de ter conversas com o seu corpo para fazê-lo dizer o que você quer dizer, como você quer dizê-lo, e também como fazê-lo ouvir. Não esquece que essa relação precisa ser de afeto, em todos os sentidos.
Prometo falar sobre improvisação em jazz num outro texto.
Referências:
LEMOS, Anielle. As transformações do jazz dance: um recorte histórico da diáspora afro-americana até os dias atuais. In: X Congresso da ABRACE, Natal. Anais, v. 19, n 01, 2018.
LOPES, Rubéns. Três movimentos: uma proposta de ensino/aprendizagem em dança negra contemporânea. Fortaleza: Instituto de Cultura e Arte/Universidade Federal do Ceará, 2018. TCC (Licenciatura em Dança).
https://www.decidedlyjazz.com/
VAISMAN, Diana. Do Harlem para o mundo: o fenômeno do lindy hop entre os jovens de ontem e de hoje. In: Dossiê: FRAGMENTOS DE CULTURA, Goiânia, v. 28, n. 3, p. 349-361, jul./set. 2018.
[1] A era do swing ou swing era aconteceu entre 1935 e 1946, quando o estilo ganhou status de música pop e alcançou todo o país dos EUA com as big bands e o ritmo dançante das composições. Elas tornaram-se símbolo desse estilo que levava os jovens aos salões de dança. Destacam-se nessa época as produções de Benny Goodman, Duke Elligton, Count Basie dentre outros.
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