Crédito das Fotos: Vando Show
Encerrando uma temporada e circulação de sucesso com o novo espetáculo “ÌYÁ – CARINHO, AMPARO E BENÇÃO”, Eduardo Dialético fala sobre a pesquisa Sambiral e suas relações com o Samba e a Cultura Hip Hop
Eduardo Dialético é artista da dança e diretor do conjunto Sambiral. Atua como arte-educador, provocador corporal e estuda Danças Urbanas, desde 2000. Sua atuação vai desde a cena até a escrita, com publicações de livros, revistas e sites. Em 2021, lançou seu primeiro livro “Dançando com Edu”. Nesta obra ele te convida para uma dança repleta de poesia periférica em textos que narram e dissertam relações entre dançar e o viver na quebrada.
No final do ano de 2021 ao cumprir a agenda de articulação do território Hip Hop, Eduardo Dialético e sua companheira Jade lyrio ao chegar no Casarão da Vila Guilherme se deparam com uma banda de Jazz e percebendo a possibilidade começam a dançar embalados pela bela música tocada por este grupo.
Ao final da apresentação, o trompetista Romulo Alexis veio conversar com os dois em agradecimento pela energia trocada, e a partir daí iniciam-se muitas conversas que culminaram em colab’s de ambos artistas.
Rômulo que é um trompetista que estuda música de improviso, inicia um processo de composição de trilha sonora para o trabalho ÌYÁ de Dialético ainda em processo, e com o movimento do tempo, Leonardo Rocha percussionista e Caio Vinícius bandolinista e cavaquinista, também passam a fazer parte do conjunto, e surge então o Sambiral.
Sambiral investiga as possibilidades poéticas que possam existir entre as Danças Urbanas, a cultura Hip Hop e seus quatro elementos, o Samba e a música de improviso por meio de suas relações com ancestralidade, representatividade e demais questões intrínsecas aos contextos de negritude para o processo do fazer dança.
Pergunta: Como o grupo de dança se conecta com as raízes culturais do samba e do hip hop? Quais são os elementos principais que o Sambiral busca preservar e transmitir por meio da criação cênica?
ED: A referida pesquisa denominada “Sambiral” que, também nomeia este nobre conjunto, tem como premissa a idéia de que tanto o Samba quanto a cultura Hip Hop, enquanto manifestações artístico-culturais afrodiaspóricas que, por meio das linguagens artísticas que as compõem, são uma complexa síntese dos contextos em que viveram e vivem nossas populações que, constantemente se criam e se transcriam, nos oferecendo sólidas bases epistemológicas como referenciais no tangente a obtusas estratégias e táticas relacionadas ao existir, ao produzir afro artisticamente e por último e não menos importante mais especificamente sobre o afro dançar.
Neste sentido, pode-se dizer que a pesquisa Sambiral é uma complexa síntese das vivências e experiências em larga prosa com nossa ancestralidade de modo a embebedar influências afrodescendentes e seus profundos atravessamentos que, por meio de coreografias lacunares da memória encruzilham e espiralam o universo do Samba, a cultura Hip Hop para a gênese, o ethos e a práxis da dança e mais adiante da performance Sambiral.
A partir das dançantes dinâmicas que envolvem as identidades afrodiaspóricas nas américas, o conjunto pretende preservar e transmitir valores ancestrais que serviram e servem para a manutenção da vida preta de periferia, tendo como referencial um conceito de tempo que não olhe para corpos afrodescendentes apenas ferramenta de produção de mais valia e mortalidades outras as quais nossas populações são secularmente expostas.
Pergunta: Quais são os desafios enfrentados pelo grupo ao trabalhar com essas matrizes da dança? Como vocês lidam com a preservação das tradições das linguagens do samba e do hip hop, ao mesmo tempo em que buscam inovação e criatividade em suas performances?
ED: Haja visto que os povos que plantaram e nutrem estas matrizes são povos que ardem as dores da colonização que seguem com outra indumentária, o principal destes desafios é lidar com as condições que tal processo os lega.
Um ponto dolorido, é que mesmo em uma pós modernidade que “exalta” diferenças, por conta deste processo colonizador de longa data ainda temos, um público que sofreu e sofre tanta violência institucional, para ser bem específico, que muitas vezes nem faz sentido ir a um lugar, qualquer que seja ele, consumir arte. Assim há o desafio de fazer com que este público preto e periférico compareça aos espaços onde as performances acontecem, mas também fazer com que eles não se sintam “invasores” alienígenas nestes espaços.
Em relação a linguagem da produção cênica, nosso desafio está em fazer uso da ferramenta didática para nos comunicar, buscando produzir sentido sem perder a densidade encruzilhada que envolve a nossa produção. Visando atender assim, um público mais crítico em relação a leitura cênica, simultaneamente a este público citado anteriormente.
De modo geral a orientação no conjunto é conceber-se enquanto pessoa dentro do rio da história, não apenas sendo levada pela correnteza, mas como quem a medida do possível nada contra esta. Assim podemos ver o quanto a cultura Hip Hop e o Samba foram, são inovadores, quais foram as contribuições dessas inovações e como elas chegaram na atualidade nos influenciando, nos inspirando, a fazê-lo a partir da nossa realidade e do nosso modus operandi, possibilidades e necessidades estéticas ao inovar.
Pergunta: Além da dança em si, de que maneiras o Conjunto Sambiral se envolve com a comunidade local e promove a conscientização sobre a importância do samba e da cultura hiphop? Vocês participam de eventos sociais ou projetos educacionais?
ED: Dialético como educador promovendo por meio sua prática pedagógica momentos que permitam seus, suas e suxs “Dançantes”, a terem contato com as danças do Samba e da cultura Hip Hop, produzindo processo de multilinguagem para o aprendizado da dança, de modo a trabalhar aspectos socializantes e individualizantes do fazer dança de modo a trabalhar sua autonomia, trabalhando a valorização de ancestralidade negra em perspectiva antirracista.
É importante dizer que boa parte dos procedimentos que compõem a pesquisa Sambiral é resultado de um longo processo de experimentação de prática pedagógica para diversas faixas etárias ao longo de anos de pesquisa.
Foto: Paulo Cesar Lima @pcesarlima74
Pergunta: Como o grupo lida com a diversidade dentro do samba, das danças urbanas e do cenário da dança contemporânea? Vocês exploram diferentes vertentes e estilos, ou se concentram em uma abordagem específica? Como isso se reflete em suas performances e no público que vocês alcançam?
ED: A presença dessas manifestações culturais na pesquisa se dá pelo fato delas fazerem parte da trajetória de vida de Dialético, onde, com as danças do Samba o mesmo tem o contato inicial quando garoto nas festas de sua família, logo Samba Rock, Samba no pé, Mestre Sala e Porta Bandeira, dentre outras danças, assim como o aprender a tocar percussão e outros conhecimentos do panteão do Samba, fazendo este, parte dos momentos de reunião de sua família até hoje. A Cultura Hip Hop, passa a fazer parte da vida do mesmo por meio do Graffiti, e mais tarde dando seus primeiros passos na dança Breaking, é importante dizer que em sua família também se escutava muito RAP.
Logo tal diversidade deve ser observada enquanto elementos que constituem combinadamente o ser de Dialético, não em uma perspectiva de separação e categorização, mas de uma diversidade que juntas compõem um corpo afrodiaspórico, sendo esta diversidade combinada a partir de suas vivências e experiências.
Pensemos nestas experiências e vivências matizadas de torção, concebendo esta última como uma metáfora ontológica, sendo que torcedor é aquele que torce, que tem um desejo, uma expectativa e isso assim como outras coisas faz parte de quem ele é, chegando nessa ideia de ser, este ser por sua vez irá fundir-se com o torcer e assim neste trabalho nós teremos TorSer.
O estudo de movimento Sambiral acontece por meio do conceito de Espiral/TorSão que se dá por entre uma metáfora corpórea que exprime a ideia de espiral criada por Leda Maria Martins ao conceituar o “Tempo Espiralar” que, segundo esta, permeia a produção de vida, e por isso nas performances das culturas tradicionais africanas e afrodiaspóricas.
Basicamente este estudo se dá em espiralar e (ou) TorSer passos das Street Dances e das danças do Samba, modificando assim sua fluência, sua relação com o tempo de movimento, tempo músical dentre outros aspectos das suas estéticas tradicionais.
Onde questionando, apresentando como a pesquisa e a exploração dos próprios recursos criativos e o intercâmbio de idéias através de trocas de experiências e horizontalização de papeis, capaz de desabilitar a hierarquia na relação entre música e dança, na qual quem dança apenas “interpreta” os movimentos colocados pela composição musical.
A partir do conceito de Espiral/TorSão, Eduardo Dialético em seu livro “Dançando com Edu”, entre outras coisas, nos traz reflexões sobre a relação dialética entre conotação e denotação do fazer dança no contexto das Street Dance’s, abrindo margem para pensar um dançar que tenha dinâmica de conotação denotada e (ou) de uma denotação conotada e outros possíveis desdobramentos. Este conceito “conodenotação” basicamente se dá por meio de procedimentos praxiológicos, onde se interagem axiomas das respectivas epistemes: Street Dances, Samba e a cultura Hip Hop com seus quatro elementos clássicos e a música de improviso, com as subjetividades das pessoas que compõem o conjunto independente as linguagens que estudem e pratiquem.
Pergunta: Quais são os objetivos de longo prazo do grupo de dança em relação à pesquisa artística realizada pelo Conjunto Sambiral? Vocês têm planos de expandir seu alcance, colaborar com outros grupos ou realizar projetos especiais?asaw Como vocês esperam contribuir para a valorização e o crescimento da dança?
ED: Sobre esta, planejamos seguir ampliando em relação à referencias sua densidade e desdobramentos por meio de sistematização de seus procedimentos. Buscando levar para a cena cada vez mais um corpo afrodescendente versátil e que metaforiza os pormenores da experiência negra afrodiaspórica espiralando e torSendo o Samba e a cultura Hip Hop sempre próximos dos mestres e mestras dessas manifestações.
Pretendemos performar para o máximo de pessoas possível, pois, expandir nosso alcance pode significar ampliar nossa rede de contatos é automaticamente nosso véu de representações em torno de nosso estudo. Fazendo colaborações com grupos e cias de modo a produzir experiências e vivências de modo a buscar a sempre bem vinda ampliação de horizontes.
Queremos contribuir para o desenvolvimento da Dança em interação com outras linguagens, a partir das maneiras que nos faz sentido e produzir conhecimentos a partir de nossas experiências individuais e coletivas, sempre reverenciando e valorizando nossos mestres e nossas mestras em vida neste plano e em outros.
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