Dança Afetos Resistência
A exposição virtual “Ruth Rachou: Dança Afetos Resistência” é dedicada a compartilhar a história e o legado de Ruth Rachou, que influenciou e formou gerações de bailarinos, coreógrafos, atores e professores.
Uma bibliografia sobre a dança no Brasil estaria incompleta sem uma referência explícita à vida e obra de Ruth Rachou. O material disponível sobre o tema é particularmente extenso, se acessarmos esse novo manancial de pesquisas informatizadas que se tornou a internet, ou mesmo na consulta e leitura de muitas das obras editadas e (várias delas) raramente encontradas nas livrarias.
Ruth Rachou, bailarina e coreógrafa, é fruto de uma formação por vezes orientada, por vezes autodidata, feita da falta de estímulos oficiais, mas movida pela procura de conhecimentos e aperfeiçoamentos realizados no exterior e por inúmeras leituras de obras na sua maioria importadas. Falar de Ruth Rachou é falar de, pelo menos, oitenta anos de dança no Brasil.
Ruth Rachou nasceu em 17 de agosto de 1927, na cidade de São Paulo. Começou a estudar balé aos quatro anos, juntamente com sua irmã Ilse, na escola da professora russa Marinova. Em 1935, estuda com Kitty Bodenheim. Em 1938, vai para a Alemanha, na companhia de sua mãe e sua irmã, onde passam seis meses, na cidade de Magdeburg.
Na década de 1940, continua seus estudos de balé com Liesel Klostermann, a partir de 1942, e, mais tarde, com Maria Olenewa, até 1954, ano do IV Centenário da cidade de São Paulo.
Em 1947, casa-se com Gastão Rachou Filho, com quem tem dois filhos: Gastão e Raul. Em janeiro de 1953, estimulada pelo marido, entra para o Ballet IV Centenário, iniciando sua vida profissional.
A partir do ano de 1956, integra-se ao Ballet do Museu de Arte de São Paulo, dirigido por Lívio Rangan, e trabalha com Abelardo Figueiredo em programas na TV Tupi.
Contratada pela TV Record em 1960, trabalha com a coreógrafa norte-americana Sonia Shaw, experiência que a leva a se tornar também coreógrafa da emissora, trabalho pelo qual recebe o troféu Roquete Pinto, em 1963.
Entre 1964 e 1969, dança como solista em vários espetáculos do Ballet Renée Gumiel. Em 1967, viaja para Nova York, pela primeira vez, e começa seus estudos da técnica de Martha Graham; participa do American Dance Festival, em Connecticut (EUA), pela primeira vez, onde estuda com Jose Limón, e frequenta mais um curso de técnica Graham, entre outros; de volta a São Paulo dá aulas de dança moderna no Ballet Renée Gumiel, e interpreta Mme. Clecy, em Vestido de Noiva, com direção de Ademar Guerra, e adaptação coreográfica de Marilena Ansaldi. Em 1969, participa, pela segunda vez, do American Dance Festival, bem como do Festival Latino-Americano de Dança, da Universidade de Georgetown, em Washington (EUA).
Na década de 1970, faz um show brasileiro no Banco de Desenvolvimento, em Washington, a pedido da embaixada do Brasil (1970); volta a ensinar e coreografar no Ballet Renée Gumiel (1971); abre sua escola em sociedade com Claudia Chati (1972); participa do American Dance Festival pela terceira vez (1972); entre 1973 e 1979, trabalha intensamente como coreógrafa e bailarina em doze espetáculos, que marcaram a dança em São Paulo e no Brasil. Além disso foi responsável pela coreografia de cinco espetáculos teatrais, sendo que um deles, O Evangelho Segundo Zebedeu, representou o Brasil no Festival Internacional de Nancy, na França.
Na década de 1980, foi eleita presidente da comissão de dança da Secretaria de Estado da Cultura (1980); estreia Tratar com Murdock, com direção de José Possi Neto (1981); torna-se assistente de Klauss Vianna na direção do Ballet da Cidade, em São Paulo (1983); produz e dirige os projetos: Inventores da Dança, para a revelação de novos coreógrafos, e Corpo Inteiro, um curso de dança para o ensino médio (1985/1988); participa do espetáculo Nijinsky, com direção de Naum Alves de Souza e coreografia de Célia Gouvêa (1987); e torna-se professora de dança moderna da Escola de Bailado da Prefeitura de São Paulo (1989/2008).
Na década de 1990, já com mais de sessenta anos, quarenta deles dedicados ao ensino da dança no Brasil, Ruth ainda realiza projetos como A Técnica Conta a Dança, em parceria com o Centro de Encontro das Artes (CENA); cria o Grupo de Danças Ruth Rachou; e introduz na sua escola os ensinamentos do método Pilates. A partir dessa época, Ruth recebe uma série de homenagens e é convidada a dançar coreografias de profissionais como: Gabi Imparato, Helena Bastos, Juliana Rinaldi, Luis Arrieta e Ivonice Satie.
Embora seu aniversário de 80 anos tenha sido em agosto de 2007. Somente em abril de 2008, é que foi realizado o projeto Ruth Rachou 80 Anos.
Em 2012, a escola passa a se chamar “Estúdio Ruth Rachou” e muda-se para a Rua Augusta, n° 2467 – cj 11, aí permanecendo até o final de 2015.
Ruth Rachou no decorrer de sua trajetória artística teve contato com grandes mestres da dança e movimento, que a influenciaram profundamente em seu modo de produzir e ensinar. São eles:
Martha Graham (1894 – 1991)
“Eu não quero ser uma árvore, uma flor, uma onda ou nuvem. No corpo de um bailarino, devemos, como espectadores, tomar consciência de nós mesmos. Não devemos procurar uma imitação das ações quotidianas, dos fenômenos da natureza ou de criaturas exóticas de outro planeta, mas sim alguma coisa deste milagre que é o ser humano motivado, disciplinado e concentrado” (Martha Graham).
Martha Graham costumava dizer em muitas das suas variadas entrevistas que ela simplesmente havia redescoberto o que o corpo é capaz de fazer. Tinha uma forma revolucionária de fazer dança, tendo sido comparada a outros artistas revolucionários de sua época.
A contribuição de Graham como bailarina, coreógrafa e professora é incontestável e já faz parte da história da dança contemporânea. Criou um padrão e uma nova gramática para a dança. Rigorosa e disciplinada não fazia de seu trabalho uma fogueira de vaidade. Ao contrário, mantinha-se fora do foco das atenções, mas perfeitamente consciente de que seu trabalho contribuía para o aperfeiçoamento do corpo, dos movimentos, entendidos como uma interação entre seres humanos de carne e osso. A dança moderna começou como uma clara e decisiva alternativa ao balé clássico.
“Enquanto o balé buscava libertar o bailarino da força da gravidade na sua expressão, a dança moderna puxava o bailarino de volta para o chão, para expressar o tumulto psicológico e os problemas da época – um tempo de mudança e de vitalidade artística. O treinamento de balé era baseado em um rigoroso e constante conjunto (‘syllabus’) de movimentos. A dança moderna rejeitou tudo isso, afirmando que o movimento deveria surgir naturalmente do próprio bailarino” (Marian Horosco – Martha Graham-The Evolution of Her Dance Theory and Training, 1991.)
José Limón (1908 – 1972)
José Limón foi uma figura crucial no desenvolvimento da dança moderna: sua dança vigorosa mudou a imagem do bailarino (do sexo masculino) e sua coreografia continua a mostrar uma visão dramática da dança ao público de todo o mundo.
Nascido no México, muda-se para Los Angeles onde começa a explorar sua própria expressão. Em 1928, aos 20 anos, vai estudar pintura e música em Nova York. Um dia, uma amiga o convida para assistir a um espetáculo do bailarino Harald Kreutzberg (1929). Limón fica maravilhado:
“O que eu vi simples e irrevogavelmente mudou minha vida. Eu soube com uma chocante rapidez, que até então eu não estava vivo, ou melhor, eu ainda não havia nascido... a partir de agora, eu não queria viver nesta terra, se eu não aprendesse a fazer o que esse homem estava fazendo.
Eu senti a dança como uma visão de inefável poder. Um homem podia, com dignidade e um porte majestoso, dançar... dançar como as visões de Michelangelo dançam, e como a música de Bach dança. Kreutzberg me deu a luz para ver a estrada.” (José Limón)
Em pânico, Limón começou a estudar toda a dança que pode. Ele teve a sorte de entrar para a escola de Doris Humphrey (1895-1958) e Charles Weidman (1901-1875), no exato momento em que estes haviam embarcado em uma ‘viagem’ de descobrimento de uma linguagem própria, buscando no seu íntimo, suas origens, suas percepções, sua experiência de vida.
“Fui instruído, estimulado, treinado, criticado, encorajado a procurar minha própria dança. Eu não devia imitar meus professores. Cedo, fui encorajado a compor danças. Eu fui avisado: ‘Você vai compor cem danças ruins antes de compor uma boa”. (José Limón)
Em 1946, fundou a José Limón Dance Company nesse período, desenvolveu seu repertório, juntamente com Doris Humphrey, e juntos estabeleceram os princípios do estilo que viria a se tornar a técnica de José Limón, cuja característica mais marcante é explorar as possibilidades do corpo humano em relação à força da gravidade, ou seja, o princípio da ‘queda e recuperação’ (fall and recovery), assimilado e incorporado durante todos os anos de trabalho e convivência com sua mestra e mentora. A obra prima de José Limón: “The Moor’s Pavane” (1949), até hoje uma das obras de dança moderna mais apresentadas em todo o mundo.
Luigi (1925-2015)
O bailarino Eugene Louis Facciuto, filho de imigrantes italianos, nasceu em Steubenville, Ohio – USA. Desde pequeno revelou-se um talentoso cantor e dançarino, vencendo vários shows de talentos (“talent shows”). Na sua adolescência foi considerado a versão masculina de Shirley Temple de sua cidade. Depois de servir na Marinha na Segunda Guerra Mundial, vai para Hollywood, onde sofre um acidente de automóvel, tem uma fratura na base do crânio e uma paralisia em todo um lado do corpo. Conta Luigi que durante um estado de coma profundo, uma voz interna dizia: “Nunca pare de se mover, menino, se você parar, você está morto”. Ao retomar a consciência, os médicos disseram que ele não voltaria a andar, porém sua determinação dizia: “Eu vou dançar”.
Luigi desenvolveu sua técnica, lutando contra as seqüelas de seu acidente. A rotina de exercícios criados para sua própria reabilitação tornou-se a primeira técnica completa para o aprendizado do jazz. Ele começou trabalhando na barra. Quando tentou dançar no centro, percebeu sua falta de equilíbrio e coordenação. Então pensou: “Se eu não posso dançar sem a barra, vou levá-la comigo!” Ele conseguiu manter-se reto e equilibrado, empurrando para baixo uma ‘barra imaginária’. Então, “empurrando para baixo para subir”, ou seja, empurrar para baixo com os braços o espaço à sua volta e levantar-se pelo topo da sua cabeça, é um paradigma subjacente à técnica de Luigi. Quando você faz um ‘relevé’, você não está simplesmente usando suas panturrilhas (músculos da barriga da perna), você está se levantando pela cabeça e empurrando para baixo o espaço, empurrando a ‘barra’.
Talvez o maior componente do paradigma de Luigi seja a “oposição”. Isso acontece quando você usa um lado do seu corpo para controlar a “extensão” do lado oposto. Harmonizar os movimentos de dança com as tendências naturais do corpo (ao andar, o pé esquerdo à frente coincide com o braço direito à frente) permitiu a Luigi superar suas dificuldades.
Joseph Pilates (1880–1967)
O método Pilates é um sistema de condicionamento físico que foi desenvolvido no começo do século XX por Joseph Pilates. Ele escreveu pelo menos dois livros sobre o método: Return to Life through Contrology (Volta à Vida através da Contrologia) e Your Health: A Corrective System of Exercising that Revolutionizes the Entire Field of Physical Education (Sua Saúde: Um Sistema Corretivo de Exercícios que Revoluciona todo o Campo da Educação Física).
Pilates chamou seu método de Contrologia, porque se refere à forma como o método estimula o uso da mente para controlar os músculos. O programa tem seu foco nos músculos posturais que ajudam a manter o corpo equilibrado e que são essenciais para prover o suporte da coluna vertebral.
Joseph Hubertus Pilates (1880–1967), alemão, descendente de gregos, nasceu em Düsseldorf. Foi uma criança muito doente, sofria de asma, raquitismo e febre reumática, o que o levou a dedicar toda sua vida a tornar-se fisicamente forte. Começou a fazer musculação e ginástica, e, aos 14 anos, era usado como modelo de propaganda de fitness.
Depois da Primeira Guerra mundial, Pilates imigrou para os Estados Unidos. No navio para a América ele conheceu sua futura mulher Clara. Em 1926, o casal fundou um estúdio em Nova York, onde, juntos, ensinaram e supervisionaram seus alunos até mais da metade da década de 1960.
Eles criaram um grupo de seguidores na comunidade de dança e das artes cênicas. Bailarinos famosos como George Balanchine e Martha Graham tornaram-se devotos e, regularmente, mandavam seus alunos para treinamento e reabilitação. Joseph Pilates faleceu aos 87 anos. Depois da sua morte, Clara continuou dirigindo o estúdio por mais 11 anos.
A técnica ou método Pilates se fundamenta numa teoria bem estruturada, não se constituindo apenas num conjunto de exercícios. O objetivo é criar uma fusão entre mente e corpo. Tornando os movimentos equilibrados e conscientes. Trata-se de um método desenvolvido durante mais de oitenta anos de uso e de observação. Seus princípios são: Respiração, Centralização, Concentração, Controle, Precisão, e Fluidez de Movimento.
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